Nas últimas semanas, há dois ativos que protagonizaram um rali interessante: o ouro e o bitcoin. Segundo a análise feita por empresas de investimento internacionais, junho foi um poderoso lembrete do apelo do ouro como refúgio seguro; um status que a criptomoeda mencionada também tenta conquistar. Nesse sentido, reconhecem que a incerteza que marca o contexto — o último exemplo foi o anúncio do governo Trump de uma tarifa de 30% sobre as importações da UE a partir de 1º de agosto — explica seu bom desempenho.
Blake Heimann, Associado Sênior de Pesquisa Quantitativa na WisdomTree, afirma que à medida que a dívida soberana dispara, persiste o risco de inflação e diminui a confiança institucional, os investidores buscam ativos que protejam seu poder de compra em um cenário monetário cada vez mais instável. “Tradicionalmente, o ouro desempenhou o papel fundamental de reserva duradoura de valor e de ativo de reserva comum. Hoje, no entanto, o bitcoin se apresenta como uma alternativa crível e descentralizada”, afirma.
Segundo uma análise realizada pela gestora, e baseada em diferentes cenários, que explora como a expansão sustentada da oferta monetária global poderia remodelar os preços futuros tanto do ouro quanto do bitcoin, dois ativos comumente chamados de “dinheiro duro” ou “reserva de valor”. Essa análise posiciona o bitcoin e o ouro como ativos monetários duros complementares, prontos para se beneficiar da contínua expansão monetária. De acordo com o especialista da WisdomTree, se a oferta monetária crescer em linha com as tendências históricas e os investidores realocarem capital para reservas de valor escassas, ambos os ativos estão posicionados para uma valorização significativa.
“No cenário base, o bitcoin atinge US$ 250.000 e o ouro, US$ 4.000 nos próximos cinco anos. Em condições mais inflacionárias, as avaliações poderiam ultrapassar US$ 500.000 para o bitcoin e US$ 5.500 por onça para o ouro. Com uma oferta muito limitada e uma demanda crescente por resiliência monetária, ambos os ativos oferecem funções diferenciadas em uma alocação diversificada de ativos de ‘dinheiro duro’”, afirma Heimann.
Impulsionadores do ouro
Na opinião de Claudio Wewel, estrategista de câmbio da J. Safra Sarasin Sustainable AM (JSS SAM), o ouro deve continuar em alta, respaldado por uma forte demanda estrutural e pela incerteza sobre as políticas dos EUA. “A compra de ETFs de ouro foi excepcionalmente forte na primeira metade do ano, com os maiores fluxos de entrada registrados entre fevereiro e abril desde março de 2022 (após a invasão russa da Ucrânia). Destacamos que as participações globais de ETFs ainda não retornaram aos níveis máximos de 2022 e que, com uma participação de 7%, as participações asiáticas continuam representando uma fração relativamente pequena do total global. Recentemente, as preocupações sobre a sustentabilidade fiscal do projeto de lei One Big Beautiful Bill Act do presidente Trump e a reimposição de tarifas aos parceiros comerciais dos EUA renovaram o apoio ao ouro.”
Segundo o especialista da JSS SAM, a médio prazo, o aumento do risco geopolítico, a crescente incerteza política nos EUA e um dólar mais fraco devem sustentar o ouro; e a longo prazo, a fragmentação geopolítica favorece o ouro, enquanto um dólar mais fraco deve atuar como vento a favor adicional. “Prevemos que a demanda por ouro por parte dos mercados emergentes será estruturalmente mais alta do que no passado. Essa tendência se acentua especialmente na China, devido à falta de alternativas de investimento domésticas. As compras de ouro pelos bancos centrais de mercados emergentes aumentaram desde 2022, e esperamos que essa tendência estrutural continue”, sustenta Wewel.
Em contrapartida, Stefan Eppenberger, estrategista-chefe da boutique Multi Asset da Vontobel, se mostra um pouco mais cauteloso e reconhece que mantêm uma posição neutra em ouro. “O mês de junho serviu como um poderoso lembrete do apelo do ouro como refúgio seguro. A crise entre Israel e Irã levou o metal amarelo a ultrapassar os US$ 3.400 por onça. Embora consideremos o metal amarelo estruturalmente atrativo — sustentado pelos elevados níveis de dívida pública, pela diminuição da confiança nas moedas fiduciárias e pelos esforços dos bancos centrais em se diversificar e se afastar do dólar americano — somos um pouco mais cautelosos no curto prazo. O ouro está longe de ser uma proteção barata nesses níveis, e a demanda chinesa parece ter ficado em segundo plano”, argumenta Eppenberger.
Commodities como proteção
Nesse contexto, algumas gestoras consideram que o ouro e outras commodities podem se tornar uma proteção contra a volatilidade dos mercados. “Embora o petróleo tenha experimentado uma notável volatilidade, o complexo de commodities em geral manteve-se notavelmente estável este ano. Os preços do ouro continuam subindo, apoiados pelas compras sustentadas dos bancos centrais e pelos esforços contínuos de desdolarização. Os metais básicos também se mantiveram firmes, mostrando resiliência mesmo diante das preocupações com o crescimento relacionadas às tarifas”, afirma Greg Sharenow, gestor de fundos da PIMCO.
Segundo a visão de Sharenow, os investidores, reconhecendo que suas carteiras estavam subexpostas a ativos reais e mais vulneráveis à inflação do que o esperado, renovaram o interesse pelo ouro e pelas commodities em geral. “De modo geral, o Bloomberg Commodity Index gerou retornos sólidos, o que demonstra que uma cesta diversificada de commodities tem o potencial de ajudar a suportar perturbações específicas de setores e contribuir para a estabilidade da carteira”, argumenta.
Um olhar sobre o bitcoin
No que diz respeito ao bitcoin, vale destacar que, no último dia 10 de julho, superou um novo recorde histórico ao ultrapassar a marca de US$ 113.700 por unidade. Esse valor supera seu recorde anterior de US$ 112.040, em um movimento que surpreendeu até mesmo os analistas mais otimistas. Segundo explicam, o aumento foi impulsionado em grande parte por uma forte demanda institucional e uma combinação de fatores técnicos, financeiros e políticos que deram suporte ao ativo digital.
Além disso, reconhecem que o boom dos ETFs de bitcoin continua impulsionando o criptoativo. De fato, esses veículos financeiros captaram fluxos importantes de capital nas últimas semanas. Segundo os especialistas, a proposta de novos fundos por parte de atores influentes, como a Trump Media, que prepara um ETF focado em criptomoedas, adicionou mais pressão de alta ao mercado, ao mesmo tempo em que reforça o perfil institucional do ativo.
“No entanto, esse rali não ocorre no vácuo. O contexto macroeconômico global continua incerto, especialmente pelas tensões comerciais reativadas pelo presidente Donald Trump com o anúncio de novas tarifas que entrarão em vigor em agosto. Essa situação gera inquietação nos mercados e, embora o Bitcoin tenha reagido inicialmente como um ativo de risco, sua rápida recuperação também sugere um perfil crescente como refúgio financeiro diante da incerteza”, destaca Antonio Di Giacomo, analista de Mercados Financeiros para a LATAM na XS.com.