A trajetória da taxa de juros básica da economia tem provocado um movimento, quase que natural, de maior atratividade a veículos de renda fixa de maior ou igual retorno a um menor grau risco. Na prática, isso significa abrir mão de investimentos e fundos com estratégias mais elaboradas e direcionar os recursos para ativos de renda fixa que oferecem bons retornos, sem o mesmo risco ou complexidade. Apesar de parecer algo simples, esta migração tem impactado toda a indústria de fundos e as instituições financeiras, sejam elas gestoras, bancos de varejo ou investimento.
Para entendermos melhor o cenário, vamos partir de números absolutos. De acordo com dados da Anbima, o fluxo líquido de investimentos em fundos passou de uma entrada líquida em torno de R$ 255 bilhões de janeiro a outubro de 2024 para um volume de R$ 165 bilhões nos primeiros 10 meses deste ano, o equivalente a uma queda de mais de 35%. Além disso, vale destacar que o saldo está positivo por conta dos fundos de renda fixa. Até outubro, is investimentos em fundos de renda fixa superaram os resgates em R$ 180,8 bilhões. Já multimercados e ações registraram saída líquida de R$ 55,5 bilhões e R$ 52,8 bilhões, respectivamente.
Já que os investidores estão deixando os fundos e buscando produtos de renda fixa no setor bancário, a evolução das gestoras também é prejudicada, impulsionado o movimento de consolidação dos últimos anos. Em 2019, o mercado doméstico tinha 1150 gestoras. Em 2025, este número caiu para 976. Esta redução resulta de fusões, aquisições e encerramentos de assets menores. Também notamos uma concentração do patrimônio nas 50 maiores gestoras. Em 2019, 72% dos recursos estavam investidos nas Top 50. Este ano, o percentual subiu para 83%.
É importante ressaltarmos a importância das gestoras independentes, principalmente aquelas que possuem estratégias específicas. Com atendimento mais próximo, elas cumprem o seu papel de levar ao investidor opções diferenciadas e com um custo mais acessível. As mudanças recentes trazidas pela Resolução 179 da CVM, inclusive, ajudaram a tornar este processo mais transparente e competitivo, com a abertura das taxas de distribuição e de rebate, por exemplo.
Assim, este movimento de consolidação deve-se, entre outros fatores, a uma certa preocupação com risco de liquidez destas assets. A dúvida é se as gestoras estariam preparadas para suportar grandes volumes de resgates simultâneos. As assets sempre foram uma alternativa para os investidores que buscavam fundos mais atrativos, com políticas de investimentos que demandavam uma atenção específica do gestor, porém, no país da renda fixa, as performances começaram a não agradar e os resgates ganharam força.
Se do lado das gestoras a busca por um parceiro tornou-se uma trajetória natural, do lado dos bancos, a consolidação trouxe à tona antigas questões estruturais e uma crescente necessidade de se adaptar rapidamente para atender um novo público. Além dos clientes remanescentes das fusões e aquisições, aquele investidor que resgatou os recursos de diferentes fundos começou a mirar os bancos para alocar o seu capital, criando novos desafios.
Em uma análise simplista, podemos destacar algumas particularidades das instituições. Os bancos de varejo estão até habituados a grandes volumes, no entanto, não estão preparados para as novas ofertas de produtos que podem ser trabalhados, sobretudo, na velocidade que precisam entrar em ação. Já os bancos de investimentos estão mais acostumados a lidar diretamente com empresas e há produtos de investimentos diferenciados e sofisticados. Porém, estão sendo desafiados pela infraestrutura atual para processar grandes volumes de dados, com a menor intervenção manual possível.
Ou seja, diante do aumento repentino de volume e da particularidade deste ‘novo cliente’, as instituições começaram a notar que precisam de adaptações. Nos dois casos, estas adaptações passam pelo quesito tecnologia. O problema é que, ao entrar nesta seara, antigas questões voltam ao radar e exigem da instituição financeira uma visão muito mais estratégia e de longo prazo do que uma solução momentânea.
Para analisar este cenário com um pouco mais de detalhe, vamos separar estas questões em três grandes grupos. O primeiro são ferramentas que possam dar suporte ao investidor. O banco precisa disponibilizar aos novos clientes ferramentas, como calculadoras e plataformas, que os ajudem na tomada de decisão. Neste ponto, o serviço de assessoria de investimento também ganha força e entra no radar das grandes instituições.
O segundo ponto está relacionado aos produtos de investimentos oferecidos e a infraestrutura necessária para processar todas as operações. O novo cliente requer uma variedade maior de papéis de crédito, derivativos e ativos de maior complexidade computacional. Ou seja, não basta ter ou aumentar a capacidade de processamento, a infraestrutura precisa ser capaz de parametrizar todas essas operações.
O terceiro ponto não é um problema novo, porém, diante do esperado aumento de volume e da fusão com outras assets, ficará ainda mais evidente. Trata-se da base de dados e do cadastramento e acompanhamento dos ativos em si. Um processo de fusão ou aquisição entre empresas já traz consigo a necessidade de integrar bases e conciliar dados, porém, quando falamos de instituições financeiras, a qualidade dos cadastros ganha proporções ainda maiores. O problema é que há entradas de informações envolvendo diferentes sistemas e fontes de dados dentro de uma mesma instituição. Unificar esta base, certificando-se da qualidade do cadastro, é uma questão estrutural e demandará um esforço maior das instituições.
Seja por conta do crescimento do volume de recursos, dos novos ativos oferecidos, das fusões e aquisições ou até mesmo por questões relacionadas aos sistemas legados, as instituições precisarão focar na centralização e unificação dos dados. Ter uma base única será essencial e inquestionável para a consistência das operações e para a segurança deste novo investidor.
Há uma necessidade latente e o momento exige a tomada de decisão. Assim como as assets buscaram os seus caminhos, os bancos, agora, precisam avaliar alternativas e mirar uma nova etapa onde a tecnologia e a consistência de dados serão os pilares da eficiência.

