O mercado financeiro brasileiro convive há décadas com o modelo de remuneração por comissão, apesar de gerar alguns conflitos que podem prejudicar os investidores. Investidores em países com proibição de comissão, que utilizam o modelo fee based, acumulam até 2% a mais de retorno anual. Indo além da rentabilidade, o modelo baseado em comissões ocultas leva profissionais a venderem produtos inadequados aos clientes, muitas vezes sem plena consciência da gravidade ética das suas ações.
Entretanto, culpar apenas os assessores de investimento não é justo. O cliente brasileiro tem uma parcela relevante de responsabilidade nesse cenário problemático. Ao insistir em receber aconselhamento gratuito, investidores contribuem diretamente para a perpetuação desse sistema conflitante.
O fenômeno conhecido como bandwagon effect explica por que clientes adotam comportamentos financeiros não por convicção própria, mas simplesmente porque acreditam ser o que “todo mundo faz”. As decisões influenciadas por esse efeito de manada geralmente são ruins, porém, muito aceitas socialmente, gerando um ciclo vicioso no qual o errado se torna padrão.
Em outras palavras, investidores sem conhecimento técnico seguem o padrão popular pré-estabelecido, sem questionar profundamente os riscos, confiando cegamente no prestígio de grandes instituições financeiras. É justamente nesse ponto que mora um perigo ainda maior: assessores de investimento sem o conhecimento necessário, pressionados por metas comerciais e influenciados pelo mesmo efeito de manada, também passam a recomendar produtos que geram altas comissões, reforçando uma prática aceita como norma.
Essa perda gradual da sensibilidade ética é explicada pelo conceito de ethical fading, fenômeno no qual os padrões morais são lentamente substituídos por justificativas práticas ou financeiras, muitas vezes inconscientemente. Desse modo, profissionais submetidos a qualquer tipo de pressão comercial, seja ela externa (para cumprir metas das instituições) ou pessoal (como contas próprias para pagar), acabam naturalmente, em algum momento, ignorando dilemas éticos em favor do resultado imediato.
Isso cria uma espécie de “zona cinzenta” em que pequenos deslizes evoluem silenciosamente até se tornarem graves. A responsabilidade é compartilhada. Quando um investidor escolhe um assessor simplesmente comparando custos e não benefícios, ou pela aparência existente da consultoria gratuita, ele não está mensurando o impacto negativo desta escolha.
Na prática, não percebe que está contratando um distribuidor de produtos em vez de um conselheiro verdadeiro. Do outro lado, as instituições financeiras não apenas respondem a essa demanda, mas ativamente a estimulam, expandindo suas equipes de distribuição e criando produtos atraentes, porém, complexos e inadequados, explorando justamente o efeito de popularidade.
Muitas vezes o investidor brasileiro também acaba sendo cúmplice desse sistema conflituoso, ao demandar produtos financeiros inadequados e simultaneamente ancorar os custos aos produtos utilizados, em vez de pagar diretamente por um serviço qualificado. Quando confrontado com o resultado negativo, o investidor tende a culpar exclusivamente o assessor de investimento ou a instituição, esquecendo-se do papel ativo que desempenhou ao optar pelo caminho mais fácil.
O agravante é que tanto os clientes quanto o mercado, ao aceitarem gradualmente esse comportamento, tornam-se cegos à ética de maneira quase automática. Os profissionais que percebem pequenas violações éticas ao seu redor se tornam significativamente menos rigorosos para julgar situações cada vez mais graves no futuro. Esse efeito “bola de neve” faz com que conflitos de interesse inicialmente pequenos cresçam silenciosamente até se tornarem escândalos financeiros.
Felizmente, o mercado brasileiro começou a reagir. A nova regulamentação da CVM (Resolução 179/2023) traz alguma transparência nas comissões recebidas pelos assessores financeiros. A partir deste ano, investidores começaram a ver o custo de distribuição do aconselhamento financeiro que antes eles acreditavam ser gratuito, mas ainda não conseguem ver os malefícios de ter uma carteira mal estruturada.
Está comprovado que o modelo fee fixo oferece resultados significativamente superior para os investidores, tanto em custo total quanto em qualidade do serviço, gerando um patrimônio maior, mas a troca de modelo exige uma transformação cultural profunda. As instituições financeiras precisam criar incentivos verdadeiramente alinhados aos interesses dos clientes, e os investidores precisam entender que aconselhamento financeiro qualificado tem valor e preço.
Por fim, por mais ético que seja um profissional utilizando o modelo de comissionamento, ele sempre estará mais exposto a conflitos do que um assessor de investimento atuando sob o modelo fee fixo, ficando mais propenso aos deslizes éticos.
Claro que é um processo difícil, mas não é impossível. Todos os envolvidos precisam aceitar que mudar é preciso. Romper com velhos hábitos não é uma escolha fácil, porém, é necessária se quisermos um mercado financeiro brasileiro mais transparente e ético. Até lá, investidores continuarão pagando caro pela ilusão dos conselhos “gratuitos”, e o verdadeiro custo dessa comodidade seguirá sendo muito maior do que imaginam.