O shutdown do governo dos EUA finalmente chegou ao fim. Foi o mais longo da história recente: desde 1976, a duração média dos shutdowns era de cerca de 8 dias; desta vez, foram 43 dias de paralisação, com impactos relevantes sobre dados econômicos, atividade e percepção de risco.
Um dos efeitos mais imediatos está na política monetária. Com a divulgação de indicadores-chave interrompida, em especial mercado de trabalho e inflação, o Banco Central dos EUA (Fed) pode atrasar a continuidade do ciclo de cortes de juros simplesmente por “voar às cegas”.
Como uma autoridade com mandato duplo (inflação e emprego) pode decidir sem números atualizados? Não por acaso, a curva de juros hoje praticamente não precifica corte em dezembro. O cenário-base passa a ser o FOMC retomando os cortes apenas no início do ano que vem, enquanto o mercado observa se os dados serão divulgados com atraso ou se parte da coleta foi comprometida e, portanto, perdida.
Na atividade econômica, o impacto também não é trivial. Estimamos que este shutdown pode ter retirado entre 1 e 1,5 ponto percentual do crescimento anualizado do PIB dos EUA no quarto trimestre, via atraso de pagamentos federais, interrupção de contratos em andamento e queda de confiança, com consequente redução de consumo.Porém, é importante ressaltar que é uma redução de crescimento temporária, já que pagamentos tendem a ser feitos de forma retroativa e contratos devem ser honrados.
O problema é que a volatilidade estatística complica a leitura para formuladores de política pública. Nossas projeções apontam agora para um crescimento do PIB dos EUA em torno de 0,5% a.a. no 4º tri (ante 1,9% a.a. anteriormente) com recuperação de cerca de 2,5% a.a. no 1º tri de 2026 (ante 2,0%). Caso a infraestrutura aeroportuária demore a normalizar, com cancelamentos de voos persistindo, o impacto pode ser ainda maior.
Por outro lado, o “One Big Beautiful Bill Act”, que faz parte da estratégia para amortecer os efeitos das tarifas comerciais, deve começar a ganhar tração em 2026. A combinação de redução de imposto de renda e devoluções via tax refunds tende a apoiar o consumo. Algumas estimativas apontam para cerca de US$ 20 bilhões voltando à economia já nas próximas semanas e aproximadamente US$ 285 bilhões em cortes de impostos para empresas e consumidores ao longo de 2026, em um momento em que o Fed pode ter espaço para novos cortes de juros adicionais nos próximos 12 meses.
Com tensões geopolíticas militares deixando de se deteriorar, acordos comerciais avançando e tarifas sendo revistas para baixo, somados a lucros fortes e acima do esperado das empresas do S&P 500, riscos de recessão bastante reduzidos e estímulos fiscais e monetários em curso, o pano de fundo segue construtivo para ativos de risco. Nossas projeções apontam para o S&P 500 atingindo patamar de 7,160 até meados de 2026 e a taxa de 10 anos do título do tesouro dos EUA se mantendo em níveis de 4%
Os principais riscos são uma reaceleração inesperada da inflação, que mudaria rapidamente a trajetória esperada da política monetária, e eventuais excessos no ciclo de investimentos em inteligência artificial, especialmente em um contexto em que já se discutem potenciais perdas bilionárias associadas à corrida por modelos de IA, tendo a OpenAI frequentemente citada como símbolo desse movimento.
Nesse cenário de incertezas pontuais, mas com tendência estrutural ainda positiva, consideramos essencial manter uma carteira diversificada – globalmente, entre setores e em diferentes moedas – como forma de capturar oportunidades, reduzir riscos idiossincráticos e navegar melhor a volatilidade que ainda deve marcar os próximos trimestres.
*Este conteúdo tem propósito informativo e analítico. Não constitui recomendação de investimento. Todas as projeções e estimativas acima estão sujeitas a revisão à medida que novos dados forem divulgados e as condições de mercado evoluírem.




