O PIB do Brasil insiste em crescer mais do que o mercado projeta. A sequência de “erros” irrita parte da classe política, que acusa os analistas de torcerem contra. Mas o que realmente explica esse descompasso entre projeções e realidade? Talvez estejamos subestimando o que importa — e superestimando o que é mais fácil de medir.
Acredito que existem dois pontos principais para explicar essa diferença: o PIB potencial e os estímulos econômicos do governo. Tentarei destrinchar os dois a seguir.
O Brasil cresceu 3,0% em 2022, 3,2% em 2023 e 3,4% em 2024. Projetamos, na RB Investimentos, 2,5% em 2025. Segundo o Boletim Focus, no começo de 2022 o mercado projetava 0,27% de crescimento. No início de 2023, 0,79%; em janeiro de 2024, 1,5%; e neste ano, 2,0%. Em outras palavras: erros relevantes. E considerando que nos últimos anos estivemos sistematicamente acima do consenso — tendo inclusive conquistado o prêmio de melhor projeção de PIB para 2024 — seguem duas possíveis explicações.
A primeira delas está no PIB potencial, a capacidade máxima de produção da economia sem gerar pressões inflacionárias. Boa parte do debate econômico ainda se concentra em macroeconomia tradicional: qual será a taxa de juros? Em quanto terminará a inflação? Esse câmbio está desvalorizado? No entanto, o Brasil passou por uma série de reformas microeconômicas, que — mesmo fora dos holofotes — elevaram sua produtividade estrutural.
Essas mudanças podem ser organizadas em três grandes grupos:
Primeiro, as reformas institucionais: autonomia do Banco Central, Nova Lei das Falências, Marco Legal das Startups, Lei da Liberdade Econômica. Depois, os avanços logísticos e de infraestrutura: Marco da Cabotagem, Marco das Ferrovias, leilões e concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias, com investimentos que já superam R$700 bilhões. O Marco do Saneamento, por exemplo, já elevou em 203% o número de municípios com saneamento desde 2020.
Por fim, temos as políticas de capital humano e inclusão produtiva: ensino integral, bonificação escolar, digitalização de cartórios, bancarização impulsionada pelo auxílio emergencial e pelo PIX. O tempo necessário para abrir uma empresa caiu 89%. O país simplificou o CCT da importação e aprovou reformas estruturais como a da Previdência, a Trabalhista e a Tributária. Mais de mil produtos brasileiros tiveram suas exportações destravadas na última década. O IPEA projeta, por exemplo, que a Reforma Tributária aumentará o PIB em 20% nos próximos 15 anos.
Essas medidas foram aprovadas por diferentes governos: Michel Temer, Jair Bolsonaro, Lula. Propositalmente embaralhei a ordem em que foram feitas. A ideia aqui não é exaltar um presidente, mas reconhecer que, apesar das disputas políticas, o Brasil acumulou avanços reais que ampliaram sua capacidade produtiva. Estimamos que esse conjunto de reformas já tenha elevado o PIB potencial em cerca de 0,5 ponto percentual.
O segundo ponto que ajuda a explicar a surpresa do PIB são os estímulos fiscais e sociais. Em 2022, o ex-presidente gastou cerca de 0,7% do PIB com medidas voltadas à eleição: aumento do Auxílio Brasil, auxílio caminhoneiro, auxílio taxista, cortes de impostos. Com estimativas, da PNAD, de que 90% da população brasileira receba menos que R$3.500 por mês, não é de se surpreender que pequenos estímulos provoquem grandes impactos econômicos.
Em 2023, o presidente Lula assume com a PEC da Transição, liberando R$145 bilhões para novos gastos. Desde o início, seu governo buscou acelerar o crescimento do PIB como estratégia para sustentar a arrecadação e, assim, viabilizar um ajuste fiscal. Isso se traduziu em medidas pontuais para sustentar a atividade nos momentos de fraqueza.
Em 2024, o governo inicia o ano com a permissão para pagar R$30 bilhões em precatórios, criando mais uma injeção de renda inesperada para diversas famílias. Em 2025, com a queda de popularidade causada pela polêmica do PIX, o governo ampliou o programa Farmácia Popular, incluindo remédios para diabetes e fraldas geriátricas, introduziu o crédito consignado, reforçou a busca pela isenção de imposto de renda até R$5.000, e anunciou novos programas para reduzir custos com luz, gás, além de linhas de crédito para motociclistas e reformas de apartamentos.
Não cabe aqui julgar o mérito de cada medida, mas sim reconhecer que, somadas, elas criam um “colchão” para a atividade econômica. Mesmo com juros elevados e confiança empresarial oscilante, há uma rede de impulsos atuando por fora da lógica tradicional dos modelos econométricos.
Se em 2014 a então presidente Dilma gastou 3,1% do PIB na tentativa de reeleição, não seria exagero projetar um aumento dos gastos governamentais em 2026, o que pode novamente surpreender os economistas.
É importante frisar: o mercado não está completamente cego. A avaliação sobre a trajetória da Selic e do IPCA tem sido, em geral, bastante próxima da realidade. O problema está no ajuste fino do PIB, que escapa justamente por dois fatores: os efeitos de reformas que ainda estão sendo absorvidos e a imprevisibilidade das decisões de pessoas com poder de gasto no governo.
Projeções de PIB são, em última instância, projeções de comportamento — de famílias, empresas e governos. E aqui está talvez o erro mais comum: supervalorizamos os ciclos e subestimamos as estruturas. Reformas institucionais e estímulos direcionados não cabem bem nos modelos econométricos, mas cabem no dia a dia da economia real.
Enquanto isso, a economia brasileira segue crescendo acima do esperado. Não por milagre, mas por razões que talvez tenhamos ignorado. Talvez seja hora de ajustar não só os números, mas os nossos próprios pressupostos.
As opiniões e pontos de vista expressos neste documento refletem a perspectiva do autor no momento da redação. Outras equipes podem ter entendimentos ou interpretações diferentes.