A integração da inteligência artificial é um fato em diversas indústrias, inclusive na financeira. Seu uso abre a porta para tornar muitos processos mais eficientes, mas não está isento de desafios, segundo nos conta Elena Alfaro, responsável por Global AI Adoption no BBVA, nesta entrevista. Entre eles, «gerenciar o equilíbrio entre a velocidade da inovação e a necessidade de cumprir com um ambiente regulatório muito rigoroso» ou «gerenciar a percepção: explicar que a IA não vem para substituir, mas para potencializar». Isso também explica por que, na hora de implementá-la, às vezes encontram incerteza ou cautela, embora Alfaro acredite que, «quando as pessoas entendem o potencial da IA e veem como ela melhora seu trabalho, tornam-se suas maiores defensoras».
A especialista, que participará do Funds Society Leaders Summit que será realizado em Madri no próximo dia 10 de setembro, explica nesta entrevista como o BBVA entende a IA («como alavanca de transformação para redesenhar como trabalhamos: não se trata apenas de fazer o mesmo mais rápido, mas de mudar a maneira como pensamos, criamos e colaboramos») e como está sendo implantada de forma transversal: «A IA generativa é tão útil para quem precisa redigir uma nota complexa quanto para quem analisa riscos de crédito, ajuda a elaborar propostas para clientes de private banking ou gera ideias de investimento», indica.
Mas sempre com as premissas da sustentabilidade e da ética em primeiro lugar: «A IA não pode avançar desconectada dos compromissos estratégicos do banco, e um dos mais importantes é a sustentabilidade; além disso, trabalhamos com uma abordagem ética desde o design: nos preocupa como as decisões são tomadas, quais dados são usados, como garantimos a equidade e como explicamos os resultados aos nossos clientes», explica. E é que, diante da crescente automação, Alfaro defende o papel do ser humano: «Nosso foco está em preparar as pessoas para conviver com a IA e tirar o melhor dessa colaboração». Em sua opinião, «as organizações que conseguirem integrar IA com propósito e valores serão as que liderarão de forma sustentável este novo ciclo».
Não percam a entrevista completa, a seguir.
A adoção da IA parece ser um “must” em organizações e entidades de muitos setores: por que isso é algo imprescindível no setor financeiro, e especificamente no BBVA? Como a IA – e especificamente a IA generativa – pode ajudar a melhorar os processos?
No setor financeiro, a capacidade de se antecipar, processar grandes volumes de dados e personalizar os serviços é fundamental. A IA, e em particular a generativa, permite transformar tarefas complexas e repetitivas em processos mais rápidos, eficientes e criativos. No BBVA estamos utilizando-a como alavanca de transformação para redesenhar como trabalhamos. Não se trata apenas de fazer o mesmo mais rápido, mas de mudar a maneira como pensamos, criamos e colaboramos. A IA generativa ajuda nossas equipes a tomar melhores decisões, gerar conteúdo de valor, automatizar o processo e a geração de documentação, preparar reuniões e muito mais. Vimos como ela pode melhorar a qualidade do trabalho, aumentar a produtividade e liberar tempo para dedicar a tarefas de maior impacto. E tudo isso, sem perder de vista que o centro da mudança não é a tecnologia, mas sim as pessoas.
Quais áreas do banco vocês priorizaram para a implantação? É igualmente útil na hora de analisar clientes para conceder créditos, por exemplo, ou para ajudar na gestão de carteiras de investimento (gestora de ativos) ou para se conectar melhor com os clientes de private banking?
Desde o início apostamos em uma abordagem transversal. Isso significa que a IA não se limita a áreas técnicas ou analíticas, mas está chegando a praticamente todas as equipes: de Talento e Finanças até Banco Comercial, Gestão de Ativos ou Riscos. Priorizamos juntos aqueles âmbitos onde víamos maior oportunidade de impacto e escalabilidade, mas sempre a partir de uma lógica de acompanhamento às áreas, ouvindo suas necessidades e casos de uso reais. Nesse sentido, a IA generativa é tão útil para quem precisa redigir uma nota complexa quanto para quem analisa riscos de crédito, ajuda a elaborar propostas para clientes de private banking ou gera ideias de investimento. Sua capacidade de se adaptar a diferentes contextos faz com que tenha um enorme potencial em todas as linhas de negócio.
Especialmente nas áreas de gestão de ativos e private banking/consultoria… como a IA pode ajudar tanto a melhorar a eficiência nos processos (gestão de carteiras, redução de riscos, gestão sistemática, etc.) quanto a melhorar a experiência com os clientes?
Nessas áreas, a IA pode fazer a diferença em dois pontos-chave: eficiência operacional e personalização do serviço. Por um lado, permite automatizar tarefas como redação de relatórios de mercado, análise de carteiras, atualização de conteúdos para clientes ou preparação de reuniões, o que libera muito tempo e reduz erros. Por outro, permite adaptar a mensagem e o produto ao perfil específico do cliente, o que melhora a experiência e fortalece a relação de confiança.
Um exemplo concreto: algumas equipes já estão utilizando assistentes generativos para sintetizar documentação técnica complexa e transformá-la em uma comunicação compreensível e personalizada para cada cliente. Essa combinação de velocidade, clareza e relevância proporciona um valor diferencial muito potente em um ambiente tão competitivo quanto o da gestão patrimonial.
A estratégia de IA de vocês está alinhada com os objetivos globais do banco, por exemplo, em termos de sustentabilidade? E nessa linha: vocês apostam em um uso ético da IA, e o que isso significa exatamente na hora de implantá-la no seu caso (eliminação de vieses, transparência, etc)?
A IA não pode avançar desconectada dos compromissos estratégicos do banco, e um dos mais importantes é a sustentabilidade. Já estamos aplicando modelos de IA para analisar nossa própria pegada de carbono e a de nossos clientes, apoiar decisões de investimento sustentável ou melhorar a eficiência energética de nossas operações.
Mas além disso, trabalhamos com uma abordagem ética desde o design: nos preocupa como as decisões são tomadas, quais dados são utilizados, como garantimos a equidade e como explicamos os resultados aos nossos clientes. Isso se traduz em marcos de governança que asseguram a auditabilidade, a eliminação de vieses e a transparência, obviamente alinhados com a regulação, mas buscando ir além. Não se trata apenas de cumprimento normativo: a confiança do cliente nos sistemas inteligentes é chave para que essa tecnologia seja sustentável no longo prazo.
Quais foram os principais desafios na implantação da IA em uma organização tão regulada quanto um banco? E, nesse sentido, que riscos você vê na hora de sua implementação (redução de pessoal, riscos operacionais…)?
Um dos maiores desafios é gerenciar o equilíbrio entre a velocidade da inovação e a necessidade de cumprir com um ambiente regulatório muito rigoroso. Diferentemente de outras indústrias, no setor bancário tudo deve estar perfeitamente controlado e documentado, o que complica a implementação de novas ferramentas se não houver uma estratégia clara de governança. Outro grande desafio foi gerenciar a percepção: explicar que a IA não vem para substituir, mas para potencializar. Claro que existem riscos associados, como o uso inadequado dos modelos, a dependência tecnológica ou o possível impacto sobre determinadas funções. Por isso focamos em uma adoção responsável, acompanhada por formação, controle e uma transformação dos papéis que garanta que o talento humano continue sendo o protagonista.
Vocês estão desenvolvendo ferramentas de IA de forma interna ou com fornecedores externos? Há riscos nesse último sentido? Como garantem a qualidade e a governança dos dados que alimentam os modelos, e a segurança e proteção dos dados?
Estamos adotando um modelo misto. Por um lado, colaboramos com líderes tecnológicos como OpenAI ou Google para oferecer aos nossos colaboradores as melhores ferramentas disponíveis no mercado. Por outro, desenvolvemos internamente assistentes especializados, adaptados às nossas necessidades, sob um rigoroso marco de segurança e privacidade.
A chave está na governança: contamos com um modelo centralizado que estabelece os critérios de qualidade, uso de dados, segurança e controle de versões. Isso nos permite escalar com confiança e rastreabilidade, sem colocar em risco os padrões do banco. Além disso, trabalhamos de forma muito próxima com áreas como Riscos Não Financeiros, Jurídico ou Cibersegurança para garantir que cada novo avanço esteja alinhado com nossos valores e com a normativa vigente.
Existe algum tipo de resistência, interna ou externa, à implantação da IA nas organizações e, em particular, na de vocês?
Mais do que resistências explícitas, o que encontramos é incerteza ou cautela, especialmente nos primeiros momentos. É natural: estamos falando de uma tecnologia muito nova, que muda a forma de trabalhar e pode gerar dúvidas sobre seu impacto no médio prazo. Por isso, desde o início apostamos em uma estratégia de comunicação clara, formação contínua e acompanhamento próximo. Criamos comunidades internas, formamos milhares de colaboradores e geramos espaços para experimentação. O que vimos é que, quando as pessoas entendem o potencial da IA e veem como ela melhora seu trabalho, tornam-se suas maiores promotoras. A chave está em gerar confiança, ouvir muito e demonstrar que a mudança não é imposta, mas construída de forma compartilhada.
Quais tendências em IA terão maior impacto nos bancos nos próximos anos? E qual você acha que será o papel do humano em toda essa revolução, ou seja, como IA e talento humano irão conviver?
Vemos uma evolução clara rumo a agentes cada vez mais autônomos que poderão executar tarefas de forma proativa, conectando dados, ferramentas e decisões em um único fluxo. Isso vai mudar radicalmente os modelos operacionais. Também será fundamental a integração da IA com dados internos para oferecer soluções verdadeiramente inteligentes, personalizadas e contextuais. Mas diante dessa crescente automação, o papel humano será mais importante do que nunca: supervisionar, dar sentido, contextualizar, aportar empatia. Em vez de substituir, a IA obriga a redefinir os talentos necessários. Aqueles profissionais que souberem trabalhar em colaboração com essas ferramentas terão um valor diferencial muito alto. Nosso foco está em preparar as pessoas para conviver com a IA e tirar o melhor dessa colaboração.
Para finalizar, e como reflexão profunda, gostaria que você nos desse uma visão genérica sobre oportunidades e riscos da IA, sua implantação na sociedade em todos os tipos de indústrias e os desafios que pode apresentar.
A IA é provavelmente a tecnologia com maior potencial transformador das próximas décadas. Pode ajudar a democratizar o conhecimento, melhorar a produtividade global, acelerar a inovação científica, personalizar serviços essenciais como saúde ou educação… Mas também acarreta riscos importantes: uma má implementação pode aumentar as desigualdades, gerar dependência tecnológica, eliminar empregos sem alternativa ou consolidar vieses invisíveis. Por isso é fundamental avançar com ambição, mas também com humildade. Não se trata apenas de inovar mais rápido, mas de inovar melhor. A regulação, a ética, a inclusão e a transparência devem estar no centro. As organizações que conseguirem integrar IA com propósito e valores serão as que liderarão de forma sustentável este novo ciclo.