Atualmente, o ouro é objeto de intenso debate. Warren Buffett o descarta como um ativo que “só aumenta se crescer o número de pessoas temerosas”. Ray Dalio rebate dizendo que o ouro está “subvalorizado”, especialmente em um momento em que estamos perdendo um regime monetário.
Então, o ouro é uma fonte de perdas em termos reais, uma reserva de valor ou até mesmo um gerador de valor? Naturalmente, a resposta é matizada. Para compreender o ouro, precisamos examinar três questões: por que os investidores o compram, por que seu preço se comporta de forma tão estranha e se sua escassez perdurará.
Três razões clássicas para possuir ouro
1. Inflação
Na época de Nabucodonosor, com uma onça de ouro era possível comprar 350 pães a aproximadamente US$ 7,90 cada (ajustado ao valor atual) — mais ou menos o mesmo preço de um pão artesanal hoje em dia. Mil anos depois, o ouro ainda mantém um poder de compra semelhante e atua como uma poderosa proteção contra a inflação.
Mas os prazos são importantes. Em horizontes inferiores a 20 anos, o ouro demonstra ser pouco confiável, com uma volatilidade que rivaliza com a do S&P 500. Apenas em períodos longos o ouro manteve historicamente seu poder de compra. Portanto, para investidores com horizontes muito longos, ele pode servir como proteção, mas para prazos mais curtos, é uma aposta arriscada.
2. Diversificação
O ouro é um ativo de refúgio em relação às ações, com um histórico bastante convincente. Historicamente, superou muitas alternativas de proteção de portfólios, e a correlação média de 10 anos do metal amarelo com as ações é próxima de zero. No entanto, essa relação não é constante. Em horizontes inferiores a uma década, as correlações podem se tornar positivas e os benefícios desaparecer justamente quando mais são necessários.
3. Proteção contra crises
Durante as últimas 11 quedas do mercado de ações, o ouro gerou retornos positivos em oito delas. Mesmo quando caiu, foi em proporção muito menor que as ações. Diferentemente das opções de venda (puts), que são caras, o ouro pode gerar retornos positivos tanto em ambientes de crise quanto fora deles.
Bandas inelásticas
Como se depreende do que foi dito, o preço do ouro no longo prazo parece inelástico. Existe uma “constante dourada”, ou seja, o ouro parece ser uma reserva de valor contínua a longo prazo.
Por quê? A extração de ouro é difícil, cara e geograficamente dispersa. Em nível global, ninguém controla a produção, e a China, o maior produtor, representa apenas 12,5% da extração.
A produção anual é de apenas 3.300 toneladas. Assim, a quantidade total de ouro já extraída é minúscula em comparação com outros metais preciosos, como a prata. Cabe em um cubo de 23 metros — aproximadamente o tamanho de uma piscina olímpica — e a oferta praticamente não reage às mudanças de preço.
Entretanto, essa inelasticidade gera fortes oscilações de preço no curto prazo, impulsionadas quase inteiramente pela demanda. Compreender isso deve, no mínimo, influenciar a decisão de investir em ouro no curto e médio prazo.
O preço real do ouro é de certo modo semelhante ao índice preço/lucro (P/L). Quando o P/L é muito alto, o retorno esperado das ações é baixo porque se espera certa reversão. Da mesma forma, como o preço real do ouro tem se mantido relativamente constante no muito longo prazo, se o preço real estiver alto, espera-se alguma reversão.
Hoje, o ouro também está caro em comparação com o petróleo bruto, a prata e o cobre. Padrões históricos sugerem retornos reais baixos ou até negativos na próxima década. Embora seja importante lembrar que a demanda estrutural decorrente da desdolarização e de possíveis mudanças regulatórias possa sustentar os preços por mais tempo do que a história sugere, é provável que os investidores que compram aos níveis atuais estejam pagando por segurança e opcionalidade, não por crescimento.
A constante pode não ser sagrada
Além disso, a constante do ouro não é intocável. Em 2004, a introdução dos ETFs de ouro permitiu que investidores individuais e institucionais tivessem acesso mais fácil ao metal. Isso atendeu à demanda reprimida e provocou uma mudança estrutural no nível de preços — a “constante do ouro”.
Recentemente, essa relação voltou a mudar. O Banco Popular da China agora lidera as compras globais, impulsionado pelo medo da militarização do dólar após os Estados Unidos bloquearem o acesso dos bancos russos ao SWIFT em 2022. A China estabeleceu linhas de swap bilaterais para reduzir a dependência do dólar. As reservas estão sendo diversificadas, e o ouro ocupa o primeiro lugar na lista.
E talvez mais mudanças estejam por vir. As regulamentações de Basileia III podem representar outro catalisador. Uma alocação de 3% em ouro para os ativos líquidos de alta qualidade dos bancos provocaria um aumento na demanda semelhante ao que ocorreu com a introdução dos ETFs.
Ameaças à escassez do ouro
Duas ameaças principais surgiram. O asteroide próximo à Terra 1986 DA contém cerca de 100.000 toneladas de ouro, avaliadas em 10 trilhões de dólares (a preços de mercado). É pequeno (2,3 km) e não exige mais combustível para alcançá-lo do que uma viagem à Lua. Empresas como a AstroForge já planejam missões, enquanto asteroides menores e mais próximos, como o 4660 Nereus, oferecem alvos ainda mais acessíveis.
Em segundo lugar, a alquimia nuclear está em andamento. Cientistas transmutaram bismuto em ouro em 1980, embora em quantidades microscópicas. O mercúrio, vizinho atômico mais próximo do ouro, é barato e abundante. À medida que a tecnologia de fusão nuclear avança, a transmutação em larga escala pode se tornar teoricamente possível.
Se alguma dessas iniciativas tiver sucesso, o prêmio pela escassez do ouro pode diminuir.
A proporção áurea
O ouro está caro atualmente, o que torna improvável que seja um ativo de alto desempenho nos próximos anos. As ameaças de longo prazo à sua escassez são reais. No entanto, em um mundo com uma dívida pública dos Estados Unidos de 38 trilhões de dólares, moedas usadas como armas e confiança em declínio, o ouro oferece algo raro: um ativo que nenhum governo controla e que nenhum banco central pode imprimir.
O ouro pode ter uma rentabilidade esperada menor no futuro, mas ainda pode servir como uma apólice de seguro. Os romanos que enterraram o Tesouro de Hoxne entenderam isso (embora isso não lhes tenha salvo a vida).
Este artigo é inspirado em um debate conduzido pelo professor Cam Harvey no Man Alternative Investing Symposium. O debate baseia-se em dois artigos recentes: Understanding Gold (Entendendo o ouro) e Gold and Bitcoin (Ouro e Bitcoin).
Este material tem fins meramente informativos e educacionais, e não deve ser considerado um conselho de investimento ou uma recomendação de qualquer valor, estratégia ou produto de investimento em particular.



