A história de Pablo Bernal poderia parecer uma história espelho da da indústria de ETFs e fundos indexados em nível global. O Country Head para a Espanha da Vanguard acumula anos de desempenho profissional no México – atendendo a vários países latino-americanos e também ao mercado offshore dos EUA –, um período no qual a aproximação com a gestão passiva deixou de ser quase evangelizadora para se transformar em uma filosofia de serviço ao investidor, uma ferramenta para canalizar a transição do poupador para investidor. Após sua experiência nas Américas, Bernal acaba de aterrar em Madri – com a abertura de um escritório e uma equipe de oito profissionais – para oferecer esse serviço aos clientes in loco, em um mercado que deixou de olhar para a gestão passiva de soslaio e que, a partir de uma observação frontal, revela seu grande potencial.
Assim, desde os primórdios dos ETFs até sua fase de desenvolvimento exponencial, desde sua aceitação mais institucional até a conquista do investidor de varejo e, sobretudo, desde seu prolífico desenvolvimento nas Américas até sua adoção no continente europeu, a história profissional de Bernal percorreu um caminho paralelo ao desses veículos: «Desde o começo da minha carreira, os ETFs estiveram no centro dos meus papéis, tanto como usuário, como vendedor e até mesmo como criador», confessa nesta entrevista à Funds Society.
Bernal recorda sua passagem pela BlackRock em um momento em que as Afores começavam a incorporá-los, por volta de 2003-2004, como passo prévio a uma adoção mais privada e de varejo, e no qual a assessoria independente começava a ser uma figura crescente – e de sua aventura seguinte na Sherpa Capital, nesse caso como gestor – de carteiras institucionais, planos de pensão ou negócios wealth, mas sempre do ponto de vista de uma gestão discricionária «bastante institucional», em contraste com o que é hoje na Espanha, por exemplo – e onde conheceu e usou nas carteiras fundos negociados e até participou da criação de um ETF multifatorial, smart beta… esse foi o caminho percorrido até que se apresentou claramente a oportunidade com a chegada da Vanguard ao mercado mexicano.
Com olhos novos na Espanha
Juan Hernández, atual responsável da gestora para a América Latina, ofereceu-lhe a oportunidade de se juntar à equipe, e Bernal iniciou então uma história que já dura oito anos e que, assim como ocorre agora com a da Espanha, significava desenvolver um mercado onde até então só havia cobertura a partir do exterior. O paralelismo entre ambos os aterrissagens – o do México naquela época e o da Espanha agora é evidente, guardadas as devidas proporções. «O México conta com o SIC, o Sistema Internacional de Cotações que permite listar instrumentos internacionais na bolsa, o que facilita a operação e faz dos ETFs o veículo ideal para a diversificação internacional das Afores», explica. A tributação também é mais eficiente que na Espanha, com impostos em torno de 10% para ETFs frente a até 35% nos fundos.
Bernal também tem margem para comparar o mercado espanhol com o latino-americano, já que, após a pandemia e com o negócio consolidado e com vários parceiros no México, a Vanguard decidiu se reestruturar e realocar seus recursos, transferindo para o México a cobertura de mercados como Chile, Colômbia, Peru, Brasil e EUA Offshore, o que acabou impulsionando a equipe e dando a Bernal um perfil mais voltado para intermediários e wealth (com mercados como Miami, Brasil e Uruguai sob seu comando, embora posteriormente, ao comprovar o tamanho do mercado offshore, tenha sido aberta uma oficina específica em Miami).
Com essa experiência na bagagem e diante de seu novo desafio na Espanha, ele se mostra muito consciente do paralelismo, mas também da necessidade de observar o mercado espanhol com olhos novos. O especialista considera que os ETFs são veículos ideais para assessores independentes, por vários motivos, entre eles a distribuição e a custódia. E, nesse ponto, ele acredita que, embora olhando para o canal tradicional ou bancário a Espanha esteja mais avançada no sentido de ter adotado modelos de assessoria independente ou gestão discricionária de carteiras, o surgimento de projetos independentes (originalmente representados pelas EAFs) ficou mais atrasado do que nas Américas. «Em muitos países da América Latina, os bancos dominam a distribuição e trabalham com comissão implícita e arquitetura fechada, mas surgiu com força um competidor: a figura dos assessores independentes, altamente regulados, que não cobram retrocessões e estão movimentando o negócio, como ocorre com os RIAs em Miami», explica.
A traspasabilidade está supervalorizada?
Essa realidade fará com que seu desenvolvimento na Espanha seja ligeiramente diferente, embora ele considere que, em ambos os modelos, os ETFs oferecem grandes vantagens. E também os fundos indexados, que na Espanha podem ajudar a reduzir o impacto fiscal. Nesse sentido, o responsável da Vanguard na Espanha defende que, para um investidor ativo que queira diferir constantemente os ganhos de capital, os fundos podem ser interessantes; porém, para aquele de prazo mais longo – «que é como acreditamos que deve ser um investidor» – não deveria ser tão importante, considerando-se que simplesmente se está diferindo o pagamento do imposto, não o eliminando. «Acho que pode haver uma supervalorização da vantagem do fundo, que é real, mas não necessariamente serve para todos», explica.
Na verdade, a simplicidade e facilidade operacional do ETF podem acabar inclinando a balança apesar da traspasabilidade, confessa, inclusive de seu ponto de vista pessoal como investidor na Espanha: «Acredito que a traspasabilidade se torna relevante para o investidor high net worth ou affluent, mas para o investidor institucional e de varejo, o ETF tem muito mais mérito», assegura.
Nesse sentido, ao ser perguntado sobre o atrativo de fundos indexados e ETFs, que compõem grande parte de sua oferta, ele se mostra agnóstico quanto ao veículo: «Vejo de duas maneiras: a partir da estratégia de investimento e a partir do veículo ou wrapper. Damos ao cliente o que ele quiser, posso destacar os benefícios de ambos. Por exemplo, estamos vendo que na gestão discricionária se usam muito os fundos, mas nos fundos de fundos ou nas plataformas digitais de investimento os ETFs prevalecem», explica, acrescentando que, na Espanha, «a Vanguard tem a oportunidade de se posicionar melhor no mercado institucional, agora que estamos aqui e que esse cliente demanda atenção e serviço».
Crescer a dois dígitos na Espanha… também com gestão ativa
Atualmente, a gestora conta com 16 bilhões de euros e, embora seu objetivo não seja alcançar um número de ativos específico, mas fazer as coisas bem, Bernal espera crescer a dois dígitos nos próximos anos. «Vemos potencial no mercado espanhol, especialmente em renda fixa. Nosso portfólio está muito carregado de equities e, até agora, por não termos presença, não conseguimos alocar muito em renda fixa ativa. Agora vamos poder começar a posicionar a Vanguard como um referente em renda fixa ativa, mas também na parte indexada, onde temos veículos extremamente competitivos», explica. Bernal defende que a gestão indexada deve ser o core da carteira, mas que a gestão ativa também tem um papel importante, o que explica os novos projetos em gestão ativa de renda fixa, «onde há mais capacidade de gerar alfa, onde existem mercados mais imperfeitos e onde a indexação tem mais limites».
A gestora, que conta com uma gama de cerca de 500 fundos globalmente, vem lançando novos produtos, embora sem entrar em temas como o bitcoin. «Uma coisa é inovar e outra é lançar produtos que soam sofisticados, mas que na verdade são complexos e não têm uma tese de investimento de longo prazo, e isso acontece muito nesta indústria», diz o especialista, de forma crítica. Por isso, ele defende sua gama, mais limitada – de propósito – do que a de outros concorrentes, mas também reconhece que o investidor precisa de ferramentas, motivo pelo qual estão lançando novos produtos. E adianta: «Na Europa, este ano lançaremos quase uma dúzia de novos produtos, muitos ETFs, mas também alguns fundos ativos. E no ano que vem o objetivo é lançar mais de dez produtos novos».
Entre seus planos também estão os ETFs ativos, e já possuem alguns, embora, insiste Bernal, sejam agnósticos quanto ao veículo e lancem aqueles mais eficientes em cada mercado. Porém, ele acredita que «o fundo de investimento, do ponto de vista tecnológico, é um pouco mais arcaico». Por isso, nessa disputa de equilíbrios entre veículos indexados, ETFs e fundos tradicionais, ele acredita no potencial dos ETFs: «Na indústria vai haver mais ETFs do que fundos; o core das carteiras será o ETF, e o fundo aportará um extra de alfa».
Bernal fala da atual convergência entre ETFs e fundos tradicionais e descreve um ambiente no qual os ETFs «estão conquistando o mercado», por sua eficiência, robustez de infraestrutura, liquidez e inovação, captando mais fluxos do que representam em termos de quota, embora com uma ressalva: os fundos ainda fazem sentido para certas estratégias, como os target date funds nos EUA. «Esse é o futuro e já vemos isso nos Estados Unidos, o mercado mais avançado». O responsável da Vanguard na Espanha lembra dos avanços que a SEC está aprovando, não apenas para registrar ETFs ativos como classes de fundos, mas também com inovações dentro dos mercados privados, por exemplo, e onde o tamanho do mercado se aproxima de 20 trilhões de dólares. Na Europa, também avançam com força, e alguns dos obstáculos e desafios já estão sendo enfrentados, como a unificação dos mercados.
Espanha: por que agora?
Ao perguntar-lhe sobre a chegada recente à Espanha, ele fala de razões tanto internas quanto externas. Entre as primeiras, a gestora realizou uma mudança de paradigma na Europa e passou a se concentrar em associações com intermediários e investidores profissionais e institucionais para chegar ao varejo, razão pela qual a presença local se tornou essencial: «Redobramos nossos esforços no negócio B2B como forma de ampliar o alcance da nossa oferta ao investidor de varejo europeu, por isso abrimos o escritório da Alemanha em 2018, depois na Itália e agora na Espanha. Vamos crescer; a Europa continental está ganhando mais peso em nossa estrutura», assegura.
Quanto aos motivos externos, a proliferação de esquemas de comissão explícita e GDC – com classes limpas e que favorecem o uso de ETFs – ou a crescente participação do investidor varejo em plataformas independentes, roboadvisors e plataformas de execução foram fatores-chave. «Temos o investidor de varejo no nosso DNA; queremos ajudar o investidor final», trabalhando junto ao institucional e aos grandes bancos com modelo de gestão discricionária ou assessoria independente, explica.
Um enfoque coerente com a estrutura de mútua da gestora, propriedade dos investidores e que não a obriga a gerar lucros no nível de grupo, algo que faz diferença: «Nossa missão está gravada, tatuada em todos os funcionários da Vanguard, e consiste em ajudar o investidor final, oferecer-lhe maior probabilidade de sucesso em seus investimentos. ‘To take a stand for all investors, to treat them fairly and to give them the best chance for investment success’ é a nossa razão de ser». E isso também explica sua filosofia low cost, diante dessa idiossincrasia de propriedade e de uma estrutura operacional de baixos custos – com headquarters na Pensilvânia, e não em Manhattan, ou com 500 produtos globalmente… «Não somos low cost por estratégia comercial, mas por como somos constituídos e por nossa filosofia. Buscamos reinvestir no cliente final, e isso podemos fazer reduzindo custos ainda mais. Mas a indústria já está chegando a um limite nesse sentido, com produtos a 5 bps. Por isso, também destinamos margens às plataformas».
A entidade, que não paga distribuidores, é a favor de baratear o produto ou serviço ao cliente final e, por exemplo, em seus acordos com plataformas – onde vê um grande potencial de crescimento na Espanha e onde estão se aproximando com força crescente –, aposta que a parte devolvida a elas seja repassada ao cliente. «Estamos trabalhando para buscar acordos com essas plataformas de distribuição, entendendo que tudo o que fizermos, tudo o que devolvemos às plataformas, vá ao investidor», indica Bernal, o que, na prática, significa baratear o serviço para o cliente, oferecer-lhe um melhor serviço. Como exemplos, ele menciona subsidiar as comissões de compra de um ETF com um broker, de forma que o cliente final compre gratuitamente; ou os savings plans na Alemanha, onde se subsidia parte da comissão cobrada pela plataforma ao cliente, embora Bernal reconheça que também não é algo que possa ser feito indiscriminadamente, pois suas comissões já são muito competitivas.
Ele também menciona um acordo com a Trade Republic para a conta infantil, que permite que um menor invista em três ETFs da Vanguard, com reembolso de toda a comissão até certa idade. De fato, falamos também do potencial dos jovens como consumidores de ETFs, algo que Bernal vê como lógico: «Não é segredo. Todo mundo sabe que o sistema de pensões na Europa, no mundo e particularmente na Espanha, está sob pressão. É importante que os investimentos realmente façam parte do cotidiano da população em geral».
Nesse sentido, ele apoia as iniciativas da união europeia em poupança e investimentos (SIU), junto com a criação de uma conta de poupança que poderia funcionar com incentivo fiscal. «É muito nobre porque é dinheiro que se reinveste na economia. O que acreditamos que pode ser um erro seria engessá-la demais, com um viés excessivamente forte em ativos europeus, porque a diversificação é clara. Mas apoiamos, pois há países – Reino Unido, Suécia, Canadá… – onde funcionou muito bem». E porque poderia impulsionar os investimentos na Europa, um continente onde a poupança prevaleceu sobre o investimento, o que fez com que, desde 2009, a riqueza do lar médio nos Estados Unidos tenha crescido três vezes mais do que a do europeu.
Concluímos nossa conversa falando do potencial da tecnologia, digitalização, IA e tokenização no mundo dos ETFs, mas, sobretudo, com uma ideia, um desejo muito claro: «A Vanguard quer ajudar na transição do poupador espanhol para investidor, para que deixe de lado as contas de poupança, o real estate e os produtos de curto prazo e passe a investir; teremos que ver como medir esse impacto», diz Bernal. Sem esquecer outro desejo próprio: igualar na Espanha a posição que a Vanguard tem em nível global.



