Depois de anos sendo o patinho feio, o mercado imobiliário europeu voltou com força a monopolizar o interesse dos investidores institucionais. Dentro do continente, a Espanha se destaca como um dos mercados mais atraentes, segundo Carsten Czarnetzki, responsável da AEW (parte da Natixis IM) para a Ibéria: “Há muito interesse na Espanha, vimos um aumento dos fluxos em quase todas as categorias dentro do mercado imobiliário, dominado pelo comercial e pela logística”, afirma.
O especialista fala que o perfil dos investidores se diversificou, já que agora convivem nacionais e internacionais, tanto europeus quanto latino-americanos, aludindo ao interesse geoestratégico da capital: “Madrid sempre é o ponto de encontro para investidores latino-americanos, que sempre começam por aqui e depois analisam outras cidades da Espanha e outros mercados.”
Dito isso, Czarnetzki também menciona Barcelona, Palma de Mallorca, Valência e Málaga como outras praças interessantes para investimento, assim como o mercado português. A empresa participou este ano de duas importantes operações imobiliárias de venda de escritórios em Madrid e Barcelona, e aponta que o interesse por esse segmento – fortemente penalizado desde o covid – está de volta: “O investidor institucional voltou a investir em escritórios, que nos últimos dois anos tinham sido um mercado mais dominado pelos family offices e investidores privados. Vimos um crescimento de 19% no volume de transações comparado ao ano passado”, comenta.
Existem catalisadores para um maior crescimento no mercado imobiliário espanhol?
Em geral, vemos o futuro muito positivo. Por um lado, as taxas mais baixas ajudam a que o financiamento seja mais benéfico para o investimento em real estate. Também estamos vendo muito fluxo de capital retornando à Europa como consequência da incerteza que existe nos EUA.
A maioria de nossos clientes são investidores institucionais, e estamos em contato com eles. Embora ainda não tenha acontecido, alguns estão debatendo reduzir sua alocação em títulos americanos. E se isso acontecer, essa liquidez terá que ser investida em algum lugar. Do meu ponto de vista, o setor imobiliário vai se beneficiar. O real estate costuma ocupar uma pequena alocação na carteira do investidor institucional, digamos entre 3 e 20%. Pensamos que cada rotação de títulos para real estate terá um efeito multiplicador para o real estate.
Como o mercado imobiliário espanhol pode ser afetado pela política tarifária dos EUA?
Vemos menos impacto para a Espanha do que para o resto da Europa, porque o PIB nacional está menos focado na exportação para os EUA. Isso também contribui para que a Espanha seja considerada um dos mercados mais interessantes para o investimento institucional.
Que tendências você antecipa para o investimento em real estate?
O universo de investimento em ativos imobiliários se diversificou desde a Covid. Embora, no final, grande parte se enquadre na gama residencial, os novos subsegmentos são mais específicos, como ativos hoteleiros ou residências estudantis (student housing ou student accommodation). É uma oferta mais ajustada à demanda.
Agora estão voltando os shoppings centers. É uma mudança importante porque nesse setor aconteceu como no de escritórios, havia excesso de oferta, mas vimos recentemente números que indicam um aumento nas vendas de shoppings na Espanha e Portugal.
A demanda também se manteve alta em logística, embora não tenhamos visto tanto crescimento. A questão é que agora não estão acontecendo tantas transações porque não há produto no mercado. É difícil conseguir terreno para construir logística em lugares como Barcelona.
Também vemos um interesse crescente por escritórios, embora tenha evoluído. Após a Covid houve uma crise no segmento de escritórios, pelo auge do teletrabalho. Desde então, muitas empresas decidiram reduzir sua implantação e oferecer menos espaço, mas mais qualitativo. Em contrapartida, os escritórios na periferia ficaram sem uso e apresentam menor demanda. Se as avaliações caírem a um certo nível, a conversão para outros usos como o residencial, que está em alta demanda, fará sentido.
Segundo um estudo que realizamos internamente na AEW, Frankfurt e Madrid são os dois mercados europeus com maior taxa de conversão de escritórios para outros usos, com 19% e 17% respectivamente, enquanto a média na Europa está em 12%. Madrid se destaca como um mercado com maior potencial após a Comunidade de Madrid aprovar uma lei que permite a mudança de uso de prédios de escritórios para residencial. Vimos essa tendência em menor medida em Barcelona, porque lá a situação urbanística é mais complexa.
Finalmente, também vemos muito potencial no setor imobiliário para se beneficiar da inteligência artificial. Todo mundo tem um pouco de medo da IA, mas nós vemos o caso contrário, porque pensamos que está criando postos de trabalho com mais valor agregado.
Por exemplo, arquitetos podem desenhar muito mais rápido os planos para os projetos executivos, porque muita dessa fase de design pode ser automatizada uma vez desenhada. O que ainda nos custa é a fase de obtenção das permissões. Aí vemos que no futuro talvez algo precise mudar para melhorar os prazos.
Também, graças à IA, podemos montar muitos sensores nos edifícios, monitorar e supervisionar o consumo energético do prédio e adaptá-lo exatamente a cada usuário.
Como estão as avaliações?
É necessário ver categoria por categoria. Em escritórios ainda seguimos com um problema grave, que são os escritórios em localizações não principais. Vemos que a recuperação dos valores é muito mais lenta e em alguns casos não vai se recuperar, porque a demanda mudou. O foco sempre está no CBD, no centro, onde existe alta demanda e aluguéis em alta.
No residencial, a situação continua muito importante porque a cada ano faltam cerca de 200.000 moradias. Isso implica que há cada vez mais pressão sobre os inquilinos para encontrar seu espaço para morar, e isso pressiona nós como investidores para encontrar soluções. Não se trata apenas de construir mais, mas de construir o produto adequado: living, senior housing, student accommodation… Não faltam apenas apartamentos, falta a oferta adequada para a demanda específica. E isso é um grande desafio para a indústria.
Existe risco regulatório para o setor residencial na Espanha?
Estamos procedendo com muito cuidado. O que está acontecendo em cidades como Barcelona, onde estão aplicando restrições aos aluguéis, nos preocupa como investidor institucional.
Em geral, se há limitações na renda e muita incerteza, para o mercado de investimento sempre é uma má notícia. Do meu ponto de vista pessoal, é preciso aumentar a oferta e ajudar o investimento privado para que entre no mercado. É necessário um diálogo entre o investidor institucional e as prefeituras para poder ajudar na construção dessa oferta adicional que é necessária para solucionar essa crise.