A II Jornada de Asset Management, organizada pela Cátedra de Asset Management da Universidad Pontificia Comillas – ICADE, reuniu importantes vozes da indústria que trataram de temas de máxima atualidade: se é o momento da Europa, como investir em ambientes de incerteza ou os desafios e propostas que têm diante de si os diferentes reguladores para impulsionar o investimento no Velho Continente.
Esse foi, precisamente, um dos temas incluídos no discurso do presidente da CNMV, Carlos San Basilio, que participou do evento como conferencista inaugural. San Basilio lembrou que, com 17 milhões de participantes na Espanha, os fundos de investimento são um produto “bem enraizado” na cultura financeira do país. Ressaltou o crescente peso da renda fixa nas carteiras e, embora tenha admitido que a exposição à renda variável “é significativa”, demonstrou confiança de que aumentará no futuro. “É preciso gerar as condições para que seja mais interessante investir em renda variável”, afirmou, acrescentando que o cenário seria melhor se fosse em renda variável espanhola.
Nesse ponto, San Basilio elogiou a “internacionalização” da indústria na Espanha, o que classificou como “positivo” porque reflete que há concorrência, know-how nas gestoras espanholas e “refuta o mantra de que o mercado europeu está fragmentado”.
Também destacou a importância que os veículos de investimento alternativo e capital de risco vêm adquirindo, os quais, por outro lado, também geram desafios para o supervisor, já que o private equity está em uma fase de revisão, para dar saída aos investimentos realizados, e de reinvenção, com o surgimento de novos veículos como os fundos de continuação e os evergreen. Sobre os primeiros, San Basilio alertou para o risco de uma má gestão dos conflitos de interesse com a entrada de novos investidores nos fundos de continuação. Também considera necessário que os investidores conheçam as limitações de liquidez e as avaliações menos transparentes dos fundos evergreen.
Nesse ambiente, San Basilio ressaltou que o supervisor dos mercados espanhóis estará vigilante a essas mudanças “para manter a proteção ao investidor” ao mesmo tempo em que destacou a relevância dos mercados privados, por serem uma indústria que “permite canalizar fundos para a economia de forma segura” e, ao mesmo tempo, oferece rentabilidade ao investidor.
Rumo à Europa
Nesse cenário desafiador, o presidente da CNMV tem consciência de que a poupança de varejo dos europeus “não é bem canalizada”, já que “há saída líquida de poupança para outras partes do mundo, como os Estados Unidos”. Por esse motivo, é necessário que esse investimento permaneça na Europa. Para consegui-lo, San Basilio fez referência à normativa em andamento nas instituições europeias, além de outras ações, como a simplificação da proteção ao investidor, de modo que seja capaz de investir com conhecimento, mas que não seja afastado pela complexidade do mercado europeu.
Também mencionou a potencial criação de uma conta para poupadores que facilite a entrada do investidor e canalize a poupança para a Europa e uma simplificação do reporting para as gestoras. “Na CNMV estamos revisando os trâmites para aliviar a carga e eliminar processos supérfluos. Estamos revisando cerca de 50 medidas que resultariam em redução de prazos e de cargas”, garantiu o presidente do órgão.
Além disso, San Basilio citou o desafio tecnológico e reiterou o foco do órgão na digitalização e nos ativos digitais, especialmente na “negociação e comercialização de criptomoedas”, de tal forma que tentarão fazer “o possível” para que quem invista nessa classe de ativos esteja consciente “de onde investe e de seus riscos”.
Uma nova era
A regulação também esteve presente na intervenção de Daniel Calleja y Crespo, diretor-geral do Serviço Jurídico da Comissão Europeia na Espanha, que encerrou o evento. Ele admitiu que “estamos entrando em uma nova era”, na qual as tensões estão reconfigurando as relações internacionais, assim como o mundo das finanças. Calleja y Crespo destacou que na Europa “estamos diante de uma oportunidade”, já que o Velho Continente “tem inegáveis fortalezas”, entre elas, a estabilidade e o Estado de Direito, além de empresas inovadoras e um mercado interno de 450 milhões de consumidores com 23 milhões de empresas. “Com 6% da população mundial, que é o que somos, somos capazes de gerar 18% do PIB mundial. Isso tem muito mérito e esses números precisam ser lembrados. Nós continuamos sendo uma potência econômica mundial”, enfatizou.
Mas também apontou que é necessário acelerar a unidade econômica, política e dos mercados na Europa para enfrentar os desafios do futuro. “Os mercados de capitais na Europa continuam fragmentados. Os fluxos de poupança para os mercados de capitais europeus são inferiores aos de outras partes do mundo”, afirmou, lembrando que o europeu poupa muito mais do que o americano e, no entanto, a cada ano, 300 bilhões de euros da poupança europeia vão para os Estados Unidos. “Se formos capazes de manter a capacidade de poupança e canalizar esses 300 bilhões de euros para os mercados europeus, teremos um potencial enorme de crescimento, desenvolvimento econômico e prosperidade”, comentou. Também incentivou maior desenvolvimento do capital de risco para que possa mostrar todo seu efeito.
Quanto à regulação, valorizou positivamente a modernização da normativa europeia com as últimas diretivas, mas também encorajou a implementação de normas eficazes e a simplificação da regulação financeira. Mencionou a União de Poupança e Capitais que a Comissão Europeia propôs em março passado, que busca um esforço coordenado apoiado em “quatro pilares fundamentais: a formação, o investimento, a integração e a supervisão”.
Nesse ponto, Calleja y Crespo aconselhou “estar atentos às notícias de Bruxelas” porque há duas propostas muito importantes que serão adotadas pela Comissão para melhorar a formação dos cidadãos em temas financeiros: será apresentada uma estratégia de alfabetização financeira para fortalecer os conhecimentos necessários para tomar decisões conscientes sobre poupança. “Faltam conhecimentos básicos. Existe um trabalho muito importante do ponto de vista das universidades, da formação e dos profissionais para mobilizar a poupança privada e orientá-la para investimentos produtivos”, destacou. Também revelou que está pendente “um plano diretor para contas de poupança e investimento que os Estados-membros poderão oferecer aos seus cidadãos por meio dos intermediários financeiros”.
Quanto ao investimento, defendeu o desbloqueio do acesso ao capital por meio de medidas estratégicas de titularização e lembrou que, na UE, 80% da atividade de titularização se concentra em cinco países: França, Alemanha, Itália, Espanha e Países Baixos. “Há uma margem importantíssima de desenvolvimento”, ressaltou.
E, quanto à supervisão, defendeu a eficácia, “essencial” para um sistema financeiro europeu integrado. Assim, explicou que as normas são as mesmas para os diferentes países, mas a aplicação é muito distinta. Para isso, “é preciso trabalhar em matéria de supervisão e propor novos mecanismos de coordenação”. Adiantou ainda que a Comissão está estudando que a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (European Securities and Markets Authority, ESMA) assuma algumas atividades nesse âmbito.
Os criptoativos também foram abordados por Calleja y Crespo. O Regulamento Europeu sobre os Criptoativos, MiCA, que entrou em vigor em dezembro de 2024, pretende fornecer um marco regulatório sólido e favorável à inovação dos criptoativos, incluindo as criptomoedas estáveis. Lembrou que os Estados Unidos adotaram a lei Genius Act, que faz com que as possibilidades dos criptoativos ocupem um lugar de destaque nas finanças a nível mundial. “A UE também precisa examinar sua regulamentação à luz da legislação americana, porque temos que salvaguardar nossa soberania e nossa estabilidade financeira”, assegurou.