A autonomia estratégica da Europa começou como um slogan pós-pandemia dos governos, mas, segundo análise da BNP Paribas Asset Management, tornou-se uma realidade financeira, com implicações de investimento tangíveis: a Europa agora destina bilhões de euros por ano à defesa, à resiliência industrial e a setores tecnológicos chave.
A isso se soma o “momento da Europa”, que está longe de ter ficado para trás, como poderiam indicar algumas notícias negativas sobre o continente, conforme sublinha Isabelle Mateos y Lago, economista-chefe do Grupo BNP Paribas.
Pelo contrário, Mateos y Lago analisa o repique generalizado da atividade: nas últimas semanas, os indicadores econômicos da zona do euro surpreenderam positivamente, especialmente após dados de PIB do terceiro trimestre melhores do que o esperado. O crescimento avançou para 0,2% trimestral e 1,4% interanual, impulsionado pela França (0,5%) e pela Espanha (0,6%), enquanto Alemanha e Itália permaneceram estagnadas. Contudo, sinais recentes — como a melhora na produção industrial e no emplacamento de veículos em setembro — sugerem que a fraqueza observada no verão pode ter ficado para trás.
Indicadores de uma tendência positiva
A capacidade utilizada na zona do euro permaneceu em 78,2%, o nível mais alto em 18 meses, e a carteira de pedidos alcançou máximas não vistas em três anos e meio. As exportações também mostraram força apesar do contexto adverso, registrando um aumento mensal de 4,7% em setembro, o maior desde a pandemia, levando o acumulado anual a um novo recorde. Além disso, os índices de gerentes de compras apontam um bom início de quarto trimestre, com aceleração do crescimento da produção pelo quinto mês consecutivo e um PIB estimado de 0,3% trimestral.
O sentimento econômico melhora de forma sustentada: o índice da Comissão Europeia soma cinco meses de alta, alcançando seu melhor nível em 18 meses. Embora persistam a fraqueza do consumo e vendas modestas no varejo, os indicadores de bens e serviços de consumo mostram avanços, e a confiança do consumidor subiu para –14,2 pontos, aproximando-se de sua média histórica. Os balanços familiares mais saudáveis e um crescimento salarial acima de 2% podem favorecer a recuperação do poder de compra, especialmente com uma inflação que pode cair abaixo de 2% em 2026.
Melhora da regulação
Paralelamente, a Europa está adotando uma abordagem regulatória mais pragmática desde o Relatório Draghi (2024), com simplificações regulatórias, adiamento de exigências climáticas e financeiras e avanços rumo a uma maior integração do mercado de capitais. Também se destaca o progresso em tecnologias avançadas: a adoção de IA e big data na UE é comparável — e até superior no setor manufatureiro — à dos EUA, e a região conta com 30% mais especialistas em IA per capita.
No conjunto, a Europa atravessa uma mudança estrutural profunda que, apesar dos desafios, está lançando as bases para um crescimento mais sólido e competitivo.
O setor de defesa
O gasto europeu em defesa, tradicionalmente relegado a segundo plano, passou por uma virada estrutural desde 2022, impulsionado pelo conflito entre Rússia e Ucrânia e pela crescente pressão dos EUA sobre os membros da OTAN. Essa mudança consolidou-se na cúpula de Haia, realizada em junho de 2025, quando os países aliados se comprometeram a elevar o gasto em defesa para 3,5% do PIB anual e destinar 1,5% do PIB especificamente à segurança e defesa até 2035.
Embora alguns Estados demonstrem resistência diante desses números em um contexto de finanças públicas pressionadas, a direção política é clara e apoiada em iniciativas de grande magnitude. Destaca-se o plano ReArmar Europa / Preparação 2030, dotado de 800 bilhões de euros, que servirá como catalisador para a modernização militar e a reconstrução da capacidade industrial. Esse esforço indica um período prolongado de aumento do gasto em segurança, com implicações diretas para os mercados de capitais.
Um universo de investimento em rápida expansão
Segundo a Agência Europeia de Defesa (AED), o mercado acessível para investidores europeus crescerá a uma taxa anual de 29% até 2030. Essa projeção considera um cenário de gasto em defesa equivalente a 3% do PIB (abaixo dos 3,5% acordados pela OTAN), incorpora o objetivo europeu de alcançar 65% de componentes produzidos dentro da UE e prevê um maior peso do gasto em equipamentos em comparação ao gasto com pessoal.
Apesar de, desde 2022, os ativos de defesa terem registrado um aumento significativo em seus múltiplos de avaliação, estes ainda permanecem inferiores aos de seus equivalentes norte-americanos e oferecem um crescimento superior ao da maioria dos setores europeus. Ajustando-se as valorizações pelo crescimento, o subsector continua negociando com um desconto significativo em relação ao mercado.
No curto prazo, a possibilidade de um cessar-fogo na Ucrânia pode gerar volatilidade, mas os fundamentos do setor permanecem sólidos. Empresas como a TKMS, recentemente separada da ThyssenKrupp, têm carteiras de pedidos garantidas até 2040, o que proporciona visibilidade de longo prazo. Além disso, a indústria já atravessa um processo de consolidação: a compra da Naval Vessels Lürssen pela Rheinmetall e o projeto de satélite Bromo, que integra capacidades espaciais de Airbus, Thales e Leonardo, ilustram essa reconfiguração e a criação de novas oportunidades.
Autonomia industrial, tecnológica e energética: pilares complementares
Além da defesa, setores como indústria, tecnologia da informação, utilities e recursos básicos são essenciais para fortalecer a autonomia estratégica europeia. A UE avança em diferentes frentes:
REPowerEU, com 300 bilhões de euros, busca eliminar a dependência energética da Rússia antes de 2030.
100 bilhões de euros serão mobilizados para descarbonizar indústrias de alto consumo energético até 2030.
A Alemanha aprovou um fundo especial de 500 bilhões de euros, com 83 bilhões previstos para 2026, destinado a infraestrutura e transição verde.
A Lei de Matérias-Primas Fundamentais estabelece metas de extração (10%), processamento (40%) e reciclagem (25%) dentro da UE até 2030, essenciais diante das restrições chinesas a terras raras.
A Lei Europeia de Chips mobilizará 43 bilhões de euros em investimentos público-privados até 2030.
Em conclusão, a gestora destaca que a Europa possui as rotas estratégicas, o talento e o financiamento necessários para alcançar soberania econômica e produzir tecnologias avançadas. E não enfrenta, como outras regiões, desequilíbrios evidentes ou divisões sociais profundas que possam comprometer a sustentabilidade dessas tendências positivas. Agora — afirma — “só precisa aprender a incorporar essa capacidade de valorizar e comunicar os feitos alcançados, algo que nossos parceiros norte-americanos sabem fazer tão bem”.
