Fechamos o primeiro semestre de 2025 e começamos o segundo da mesma forma, com os EUA no centro das atenções. Segundo os especialistas das gestoras internacionais de investimento, o resumo dos mercados no último mês e trimestre foi de forte recuperação dos EUA em relação à Europa.
“Wall Street vence a disputa contra a Europa com altas superiores a 18% em tecnologia, frente aos 8% do S&P 500 nos últimos três meses. Os setores defensivos são os que mais sofrem neste contexto, sendo saúde e energia os únicos setores que recuaram, mais de 8% no último trimestre. O setor industrial é o que mais se recupera depois de tecnologia, com algumas empresas do setor subindo fortemente no trimestre. Enquanto isso, o dólar fecha seu pior semestre desde 1973”, resumem da Activotrade SV.
Além disso, conforme explicam da gestora americana Payden & Rygel, a volatilidade caracterizou o mercado de títulos na primeira metade de 2025. “Dando um passo atrás, gostaríamos de lembrar aos investidores que os rendimentos dos títulos do governo sem risco continuam elevados. Os altos rendimentos sem risco têm duas implicações. Em primeiro lugar, os investidores estão sendo mais bem remunerados do que na década de 2010 por assumir um risco de duração adicional. Em segundo lugar, os rendimentos livres de risco elevados aumentam a almofada de retorno dos títulos corporativos, que se define como o rendimento por unidade de duração. Em outras palavras, o rendimento atual poderia gerar receita suficiente para ajudar a compensar um leve aumento nos spreads corporativos”, destacam da Payden & Rygel.
Até aqui o breve resumo do que deixou este primeiro semestre, pois o relevante é o que acontecerá nos próximos seis meses. Para falar de perspectivas, há uma palavra que todas as gestoras repetem: Estados Unidos. Por que os EUA, e em última instância Donald Trump, serão tão relevantes para o restante do ano? As gestoras compartilham sua visão:
A economia americana: incerteza
Conforme aponta Felipe Mendoza, analista de mercados financeiros da ATFX LATAM, o semestre terminou com os EUA monopolizando a atenção dos investidores globais após a divulgação do Payroll de junho, que registrou um aumento de 147 mil empregos, superando tanto o consenso de 111 mil quanto o dado anterior de 139 mil.
“A leitura otimista do dado de emprego impulsionou o posicionamento sobre ações americanas, também apoiado por sinais técnicos sólidos. O S&P 500 acaba de registrar seu primeiro ‘cruzamento dourado’ desde fevereiro de 2023, com sua média móvel de 50 dias ultrapassando a de 200 dias, evento historicamente vinculado a retornos anuais superiores a 10%. Mais de 71% dos componentes do índice negociam atualmente acima de sua média móvel de 100 dias, o maior nível do ano”, aponta Mendoza.
Outro dado que fecha este primeiro semestre é a taxa de emprego. Segundo explica George Brown, economista-chefe da Schroders, apesar de toda a agitação em torno das tarifas, o mercado de trabalho americano continua notavelmente forte. “As demissões também seguem baixas, já que as empresas hesitam em dispensar trabalhadores por causa da escassez de mão de obra dos últimos anos. É possível que esta situação persista em alguns setores e estados, considerando a postura da administração Trump em matéria de imigração. Uma vez que os trabalhadores estrangeiros foram uma fonte chave de criação de empregos desde a pandemia, isso poderia reduzir o ritmo abaixo dos 100 mil empregos necessários para manter a taxa de desemprego estável. Ao mesmo tempo, as tarifas se traduzirão em aumento de preços no verão. Com o Fed focado em não voltar a ficar para trás, acreditamos que manterá os juros pelo restante do ano”, afirma Brown.
Para R.J. Gallo, chefe da equipe de renda fixa municipal da Federated Hermes, a questão é que a economia americana manteve elevados níveis de incerteza política, o que enfraqueceu tanto a confiança empresarial quanto a do consumidor, e que provavelmente se refletirá no emprego e nas decisões de gasto. “Na Federated Hermes acreditamos que os dados duros começarão a se enfraquecer em breve, o que poderia reativar o ciclo de cortes de juros pelo Fed e provocar uma queda nos rendimentos dos Treasuries nos próximos meses”, aponta Gallo.
Na opinião de Sebastian Paris Horvitz, diretor de análise da LBP AM, os dados econômicos dos EUA continuam díspares e ele cita como exemplo o índice ISM manufatureiro de junho, que mostrou uma contração continuada da atividade, ainda que a produção tenha acelerado levemente.
“Em escala mundial, as pesquisas PMI do setor manufatureiro de junho voltaram para a zona de expansão, enquanto a atividade industrial na China parece estar se comportando melhor. Na zona do euro, a atividade industrial continua estagnada. Evidentemente, a persistência de um crescimento fraco não é uma boa notícia. Este fato reforça nossa previsão de que a inflação se manterá bem ancorada e em níveis baixos. Continuamos esperando que o BCE faça um último corte de juros antes do final do ano”, destaca Paris.
Reforma tributária aprovada
Nesse contexto, na última sexta-feira a administração Trump aprovou sua reforma tributária, que estende as disposições da reforma fiscal do primeiro mandato de Trump (TCJA 2017) que expirariam este ano, e inclui aumentos nos gastos com defesa e controle da imigração ilegal. No entanto, segundo explicam os analistas do Banca March, a lei não incorpora uma das principais promessas de campanha de Trump: a redução da alíquota máxima do imposto corporativo de 21% para 15%.
“Conforme ficou o texto, o aumento do déficit primário acumulado na próxima década é de 3,4 trilhões de dólares (11,6% do PIB), mais outros 700 bilhões (2,4% do PIB) em juros. Ironicamente, o texto final é ainda mais deficitário do que o rascunho anterior, elevando a dívida em mãos do público para 2034 em +10 pontos percentuais, para 127%, frente aos 7% anteriores”, explicam.
Os analistas da instituição consideram que, embora se incluam medidas de alívio para empresas — como a depreciação acelerada de ativos — seu efeito é limitado em comparação a uma redução direta de alíquota. “Em vez disso, as vantagens fiscais são direcionadas em maior medida para indivíduos — especialmente os de maior renda —, com isenções sobre altos rendimentos ou a redução permanente das alíquotas do imposto de renda de pessoas físicas. Entre as novas medidas também está prevista a exclusão tributária para horas extras e gorjetas”, destacam. Por outro lado, o limite do teto da dívida sobe em 5 trilhões de dólares, garantindo a capacidade de pagamento do governo federal, que estava prevista para se esgotar já em meados de agosto.
Na opinião de Blerina Uruci, economista-chefe para os EUA na T. Rowe Price, a perspectiva de um novo pacote de estímulo fiscal deverá dar um impulso oportuno a uma economia que desacelerou este ano. No entanto, em sua previsão base, será evitada uma recessão. “Para o próximo ano, o crescimento econômico deverá melhorar, já que os estímulos fiscais costumam demorar a repercutir na economia real. As empresas podem reagir mais rapidamente que os consumidores se os incentivos fiscais sobre gastos de capital forem retroativos a janeiro de 2025, já que seu objetivo seria maximizar os benefícios da dedução. Contudo, não é certo que consigam avançar com rapidez suficiente. Ainda assim, é improvável que a melhora da taxa de crescimento compense o efeito da menor arrecadação sobre o déficit fiscal”, afirma Uruci.
A política tarifária
No curto prazo, basicamente em julho e agosto, a política comercial dos EUA voltará a ser protagonista. Segundo aponta o BlackRock Investment Institute (BII) em seu último relatório, a formulação de políticas tem contribuído para a volatilidade do mercado, e diversos acontecimentos importantes em termos de políticas ocorreram nos últimos dias. “Consideremos o cessar-fogo no Oriente Médio, o compromisso da OTAN de aumentar os gastos em defesa e um acordo fiscal do G7. Os Estados Unidos agora parecem adotar uma abordagem mais flexível em relação às tarifas. Embora a taxa atual de tarifas efetivas de 15% ainda seja a mais alta desde a década de 1930, vimos repetidamente que existem leis imutáveis que impedem um desvio rápido do status quo”, apontam.
De acordo com sua análise, uma dessas leis — de que as cadeias de suprimentos não podem ser reorganizadas rapidamente sem consequências graves — provavelmente levou a exceções para algumas indústrias e à retomada das negociações comerciais entre os EUA e a China. Outra — de que a sustentabilidade da dívida dos EUA depende de investidores estrangeiros — provavelmente foi um fator na pausa de 90 dias nas tarifas que haviam disparado os rendimentos. “Não vemos um retorno aos picos tarifários de abril, e a incerteza comercial agora está bem abaixo dos níveis altos de abril”, afirmam.
Nesse sentido, os EUA encerram o primeiro semestre fechando um acordo comercial com o Vietnã, com tarifas de 20% e com o compromisso de abertura total do mercado vietnamita ao setor externo americano. “O presidente Trump anunciou a assinatura de um acordo comercial com o Vietnã, com tarifas de 20% para todas as importações vietnamitas e de 40% para os transbordos. O Vietnã também abrirá completamente seu mercado aos EUA. Este último avanço transformará o Vietnã no terceiro país a firmar um acordo com a Casa Branca. Confiamos que este avanço dissipará a incerteza macroeconômica que pesa sobre o mercado”, aponta Jen-Ai Chua, analista de Pesquisa de Renda Fixa na Ásia do Julius Baer.
Raphael Olszyna-Marzys, economista internacional do J. Safra Sarasin Sustainable AM, destaca que, com base nos fluxos comerciais de 2024, a tarifa efetiva aumentou quase 13% até agora, passando de 2,5% no ano passado para cerca de 15,5% atualmente. Olszyna-Marzys reconhece que, supondo um repasse total nos preços de importação, e que metade do aumento seja absorvida nas margens enquanto a outra metade seja transferida aos consumidores, “estimamos que as tarifas elevarão os preços em 0,7% este ano”.
O Fed e Powell
O outro grande ponto de atenção para o restante do ano é o que fará o Federal Reserve dos EUA (Fed), assim como cada palavra de seu presidente, Jerome Powell. A dúvida é até quando o Fed estenderá sua pausa no ciclo de cortes de juros ou se poderemos inclusive ver possíveis altas de juros. Para Gallo, “os dados duros começarão a se enfraquecer em breve, o que poderia reativar o ciclo de cortes de juros pelo Fed” e adverte que “a economia americana manteve elevados níveis de incerteza política, o que enfraqueceu tanto a confiança empresarial quanto a do consumidor”.
Por outro lado, Paul Dalton, diretor de investimentos em ações da Federated Hermes, examina as implicações do novo recorde histórico do S&P 500 e os riscos que poderiam marcar um ponto de inflexão nos mercados. Segundo Dalton, “a pressão sobre Powell para cortar os juros é cada vez maior” e aponta que “um corte de juros poderia liberar fluxos significativos de capital para as ações”.
Além disso, não podemos esquecer os choques entre o presidente Trump e Powell. Sobre essa situação, Clément Inbona, gestor de fundos na La Financière de l’Échiquier, opina que “a perspectiva da nomeação de um novo presidente do Federal Reserve abre a porta para especulações” e que o “mais provável é que a transição na liderança do Fed marque uma ruptura” em aspectos como “a independência do Fed frente ao poder executivo” ou “no que diz respeito à trajetória dos juros, que poderiam, ao menos em parte, seguir os ditames da Casa Branca”.