Na opinião de algumas gestoras, o mercado de renda fixa vive uma clara mudança de paradigma em relação ao risco implícito dos ativos (spreads de crédito), com uma quantidade cada vez maior de empresas se financiando a taxas mais baixas que seus Estados de referência.
“Na Europa, mais de 80 corporações se financiavam em setembro a taxas mais baixas que alguns títulos soberanos. Um exemplo é a Airbus, cujos títulos a 5 anos têm um rendimento inferior ao dos OAT do governo francês no mesmo prazo. Nos EUA também estamos vendo casos, como o da Microsoft, financiando-se a 4,11% frente ao Treasury a 4,12%. Isso se justifica pelo apoio estatal a determinados setores, como defesa ou tecnologia/IA, e pela percepção de maior estabilidade na gestão de companhias privadas frente à instabilidade política que alguns governos estão vivendo, a qual pode afetar o financiamento dos Estados”, explica David Montoya, Fixed Income Client Portfolio Manager da La Française.
Segundo sua análise do mercado atual de high yield, as curvas entre o crédito europeu e o norte-americano melhoraram sua inclinação até os 7–8 anos, oferecendo oportunidades potenciais para aproveitar o “carry” e o “roll down”. No entanto, ele reconhece que, devido à volatilidade na parte longa dos juros, é pouco interessante ir além dos 5 anos.
“Os níveis de default para o segmento de crédito high yield, o de maior risco, permanecem baixos: 1,2% nos EUA, 1,5% na Europa, com previsões próximas de 2%. O distress ratio também é baixo, o que sugere um ambiente de crédito saudável que permite aproveitar o ‘carry’. No entanto, os spreads de crédito estão em níveis baixos e é provável que aumente a dispersão setorial e conforme a classificação de crédito. Caso os spreads se ampliem moderadamente, poderemos ver um desempenho inferior dos setores cíclicos em relação aos não cíclicos, assim como entre emissores de pior qualidade de crédito (CCC) em relação aos de melhor qualidade (BB). Por isso, o posicionamento será chave nos próximos meses, que prometem ser voláteis.”

Os riscos ocultos
Mudança de paradigma ou não, os gestores consideram que o ciclo atual se caracteriza por sua duração excepcional, com diferenciais em mínimos históricos e taxas de inadimplência muito baixas. Mas algumas gestoras se perguntam se isso é realmente assim ou se há certas dinâmicas que representam um risco oculto.
O primeiro a se pronunciar é Mauro Ratto, cofundador e codiretor de investimentos da Plenisfer Investments (parte da Generali Investments), que vê um risco na correlação entre a menor frequência de defaults e a crescente prevalência de operações não convencionais de gestão de passivos corporativos. “Entre elas estão as operações de uptiering, cada vez mais comuns nos Estados Unidos e agora também na Europa. A crescente relevância desse tipo de operação também deve ser avaliada levando em conta o aumento do volume da dívida privada, atualmente estimado em cerca de 2 trilhões de dólares, já que a grande disponibilidade de capital para investir no mercado aumenta exponencialmente o risco de deterioração da qualidade de crédito e dos critérios de concessão de empréstimos”, argumenta Ratto.
Outro fator de risco que Ratto observa no crédito de alto rendimento refere-se ao fenômeno crescente das emissões destinadas a distribuir dividendos aos acionistas, as chamadas “recapitalizações de dividendos”. Na sua visão, historicamente marginais no total de emissões de alto rendimento, essas operações ganharam maior importância em 2025, alcançando no início do verão 8% das emissões europeias de alto rendimento e aproximadamente 5% nos Estados Unidos. E, ao mesmo tempo, as aquisições alavancadas e os IPOs de empresas apoiadas por private equity diminuíram.
“A consequência para os fundos é uma menor capacidade de devolver o capital a seus investidores, dificuldade que é mitigada por meio de operações de recapitalização de dividendos. Essas transações permitem que os fundos distribuam caixa sem perder o controle das empresas, embora ao custo de aumentar o endividamento global e os riscos associados à sustentabilidade da dívida e dos fluxos de caixa futuros. Essa tendência exige que os investidores prestem mais atenção à qualidade real da dívida e à sustentabilidade da estrutura de capital do emissor, indo além das simples classificações ou níveis de spread ao analisar oportunidades de investimento”, acrescenta Ratto.
Também no crédito privado
“Cautela” e “seleção” também são duas palavras que ressoam no mercado de crédito privado. “Do ponto de vista do investidor, é fundamental analisar todo o espectro de liquidez. O primeiro ponto é determinar se está sendo adequadamente compensado por assumir menor liquidez. Ao longo do espectro de crédito, quanto maior a sensibilidade econômica de um ativo, menor é sua qualidade e maior deve ser o diferencial que exigimos como investidores”, aponta Dan Ivascyn, CIO da PIMCO.
Na visão de Ivascyn, embora venhamos de vários anos de fortes retornos em crédito, os diferenciais estão apertados: “Vimos um crescimento acentuado em algumas das áreas mais sensíveis do mercado, tanto nos empréstimos bancários — considerados mais públicos — quanto no crédito privado, como os empréstimos diretos a empresas de médio porte. Dada essa expansão e o deterioro observado nos padrões de subscrição, não deveria surpreender que comecem a surgir alguns problemas de crédito. Acreditamos que certas áreas do mercado que cresceram rápido demais podem acabar decepcionando os investidores”.
Para colocar esse mercado em perspectiva, Pierre Pincemaille, secretário-geral de investimentos da DNCA, afiliada da Natixis IM, destaca alguns dados: “O número é vertiginoso: 1,7 trilhão de dólares. Esse é o tamanho do mercado mundial de dívida privada, um segmento do mercado de títulos que experimentou um crescimento excepcional nos últimos cinco anos, especialmente nos Estados Unidos, onde agora supera 1 trilhão de dólares”. Na sua opinião, as falências da Tricolore e da First Brands — empresas do setor automotivo — aumentaram a preocupação dos investidores.
“Seguindo o padrão clássico de ‘vender primeiro, pensar depois’, os investidores reduziram sua exposição ao segmento mais arriscado do crédito corporativo de alto rendimento, o que provocou um aumento dos diferenciais. Em relação à renda variável, ajustaram suas posições em gestoras de ativos privadas e ações bancárias. A falta de detalhes sobre a exposição dos bancos às NDFIs torna a atual temporada de resultados trimestrais ainda mais crucial para identificar os perdedores dessa sequência. Mais geralmente, cabe notar que o fator qualidade na Europa teve um desempenho significativamente inferior em 2025, apesar da resiliência dos lucros nesse segmento. A configuração atual dos mercados de renda variável, caracterizada por avaliações elevadas e indicadores técnicos apertados (distância em relação às médias móveis de 50 dias), deve naturalmente levar os investidores a revisarem esse tema para 2026”, explica Pincemaille.



