O mercado e os ativos argentinos viveram uma jornada de euforia nesta segunda-feira, 27, após o surpreendente e contundente triunfo do governo nas eleições legislativas consideradas cruciais para a administração de Javier Milei. O risco-país despencava, enquanto as ações locais subiam até 50% em Wall Street e os títulos em dólares se recuperavam até 25%. O dólar, refúgio histórico de valor para os argentinos, abriu o dia em queda e chegou a ser negociado em seu nível mais baixo desde 26 de setembro.
Nas semanas que antecederam as eleições, o clima de mercado era negativo, e os investidores apostaram pesadamente na moeda norte-americana contra o peso argentino, forçando intervenções do Tesouro dos Estados Unidos para conter a volatilidade.
Com 99,22% das urnas apuradas, o partido governista La Libertad Avanza obteve cerca de 41% dos votos nacionais (64 cadeiras), contra 31% (44 cadeiras) do peronismo, após vencer na província de Buenos Aires e em distritos-chave. No início de setembro, o governo havia perdido por 13 pontos nas eleições antecipadas realizadas na mesma província, que concentra cerca de 40% do eleitorado.
Vontobel: momento decisivo para o risco argentino
A vitória “confere ao governo mais de um terço de ambas as câmaras, eliminando o risco de destituição e abrindo um caminho crível para a aplicação de reformas”, avaliou Thierry Larose, gestor da Vontobel.
Em seu discurso, o presidente Milei adotou um tom moderado e fez acenos à oposição, especialmente aos governadores das províncias que se uniram para construir uma “terceira via” diante da polarização extrema que divide o país.
“Milei agora pode impulsionar reformas fiscais, trabalhistas e previdenciárias, negociando maiorias com o PRO e com governadores moderados. A votação volta a legitimar sua disciplina fiscal e sua agenda favorável ao mercado, enquanto deixa o peronismo enfraquecido e dividido. Em resumo: o impulso reformista da Argentina voltou, e Milei pode legislar a partir de uma posição de força, não de sobrevivência”, acrescentou.
O especialista destacou também a queda abrupta do risco-país: “Desaba o prêmio de risco político da Argentina. Para os investidores, trata-se de uma reavaliação política exemplar: um mandato claro, menor volatilidade e um caminho mais limpo para voltar ao mercado em 2026. É um momento decisivo para o risco argentino”, enfatizou. Segundo ele, o país “acaba de recuperar a credibilidade do mercado”.
Na visão de Larose, o resultado “descarta qualquer desvalorização” do peso. “Agora que as eleições passaram e o Tesouro dos EUA continua apoiando o mercado cambial — esse risco desapareceu. O governo pode reconstruir as reservas e manter a inflação em tendência de queda sem mudar o regime. É possível que em 2026 se adote um sistema sem bandas, uma vez que aumentem as entradas de capital e o investimento estrangeiro direto. Em resumo, as eleições transformam o peso de uma moeda defensiva em uma moeda que se apreciará, em vez de se desvalorizar.”
Carmignac: é necessário acumular reservas
Os resultados foram “surpreendentemente bons”, afirmou Alessandra Alecci, gestora de carteiras de dívida de mercados emergentes na Carmignac, acrescentando que agora o partido de Milei conservou seu poder de veto.
“Dada a evolução dos preços, mesmo com o apoio explícito e substancial dos Estados Unidos nas semanas que antecederam as eleições, o resultado não foi precificado pelo mercado”, analisou.
Olhando adiante, Alecci destacou que Javier Milei terá de chegar a acordos com representantes moderados da oposição para obter a maioria necessária para aprovar “reformas-chave e manter uma política fiscal restritiva”. “A primeira metade de seu governo foi marcada por uma postura de confronto. Seu discurso após a vitória sugere que agora está mais disposto a estabelecer alianças”, completou.
“Em segundo lugar”, prosseguiu, “a Argentina precisa acumular reservas de divisas para cumprir suas obrigações de dívida externa, em particular com os detentores de títulos. Isso exigirá um regime cambial mais flexível, bem como um retorno ao mercado o quanto antes.”
Candriam: desta vez pode ser diferente
Paulo Salazar, diretor de renda variável de mercados emergentes da Candriam, descreveu o triunfo do partido de Milei como “um ponto de inflexão político na história moderna do país”. “Contra as expectativas, o bloco de Milei não apenas consolidou o poder em nível nacional, como também teve um desempenho forte na Província de Buenos Aires, considerada por muito tempo um bastião peronista”, escreveu em nota.
Salazar também destacou o tom conciliador de Milei em seu discurso. “Foi notavelmente conciliador, enfatizando o diálogo com legisladores da oposição e governadores provinciais para impulsionar reformas há muito esperadas. A mensagem foi clara: os argentinos se afastaram decididamente de décadas de populismo, e o caminho está aberto para um Congresso reformista — o que Milei chamou de ‘o mais reformista da história’ — capaz de reconfigurar o modelo econômico argentino.”
Na visão do gestor, a alinhamento do governo libertário à agenda pró-mercado de Donald Trump “acrescenta uma nova camada de confiança para os investidores e posiciona a Argentina como um potencial parceiro regional dentro de uma nova onda direitista na América Latina”.
O especialista mostrou-se bastante otimista em relação ao país. Considerou que o atual cenário geopolítico é favorável e “coincide com um ambiente global que favorece ativos de risco, caracterizado por uma possível queda dos juros do Fed, o fim do aperto monetário e um dólar mais fraco — fatores que beneficiam especialmente histórias de alto ‘beta’, como a argentina.”
Entre as conclusões, Salazar destacou que a Argentina “continua sendo um mercado de alto risco e alta recompensa”, mas que agora “a direção aponta claramente para a reforma, a normalização e o crescimento”. “Depois de anos de falsos começos, há a sensação de que desta vez pode ser diferente — e essa crença, por si só, pode ser suficiente para desencadear uma nova e poderosa fase na história do mercado argentino.”
Neuberger Berman: as reformas necessárias exigirão vários ciclos
A La Libertad Avanza terá poder suficiente para “manter o veto presidencial, uma ferramenta que utilizou eficazmente durante a primeira metade de seu mandato. Portanto, as perspectivas de avanço das reformas melhoram significativamente”, avaliou Gorky Urquieta, codiretor global de dívida de mercados emergentes na Neuberger Berman.
Embora o especialista considere “pouco provável” que as reformas se concretizem nos próximos dois anos — ou seja, na segunda metade do governo Milei —, “a agenda pró-reformas estará sobre a mesa. Talvez não se consiga tudo, mas parte dela avançará, e sem dúvida será algo construtivo e positivo para os mercados”, afirmou.
No entanto, Urquieta ressaltou que as reformas necessárias para realmente transformar a Argentina são de médio e longo prazo, de modo que “serão necessários vários ciclos”.
“No curto prazo, manter a disciplina fiscal e implementar algumas reformas — como as tributárias e previdenciárias — criará um contexto positivo para a economia. Isso melhoraria o crescimento e, por sua vez, tornaria possível a reeleição de Milei em 2027. É algo que os mercados já observam, pensando no que virá após os próximos dois anos”, afirmou.
Segundo ele, a volatilidade persistirá. “Tudo dependerá de ajustar os detalhes da política e de como Milei se comportará: se conseguirá governar após o ciclo político, construindo e mantendo alianças. São esses os sinais que o mercado quer ver. Não há dinheiro fácil nesse processo.”
Urquieta concluiu com uma advertência: “Como vimos na Argentina e em outros países, as coisas podem mudar rapidamente. O panorama é claramente construtivo. Pode se tornar mais duradouro, mas levará tempo. É preciso ver os resultados das reformas, comprovar que a Argentina se torna mais produtiva e que melhoram as condições para o crescimento.”
Por fim, destacou que “atrair investimento será fundamental: o país tem um potencial enorme, mas para captar investimento estrangeiro direto — aquele de horizonte realmente longo — é preciso confiança, algo que só se constrói com o tempo.”
