A guerra comercial impulsionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode estar longe de se moderar e, ao contrário, intensificar-se nos próximos meses. Segundo adverte Dennis Shen, presidente do conselho macroeconômico da Scope Ratings, haveria cinco fatores que explicam por que a política tarifária de Washington tem margem para escalar e continuar impactando a economia global.
“A força dos mercados, a resiliência da economia norte-americana, o aumento das receitas aduaneiras, a atitude de apaziguamento dos parceiros comerciais e um contexto político favorável apontam para uma maior escalada das tensões comerciais dos Estados Unidos, que já se prevê reduzirem a produção mundial em 0,7% no médio prazo”, explica. Segundo sua análise, estas são as razões:
- Os mercados incentivam a assunção de riscos. Com as bolsas norte-americanas em níveis históricos ou próximos deles, o presidente Donald Trump tem margem para arriscar certa impopularidade. Um dos principais contrapesos ao seu mandato tem sido a pressão que suas políticas exercem sobre os mercados de capitais. Cada vez que ocorrem vendas massivas, surge inevitavelmente o chamado “Trump put”. Os mercados tornaram-se complacentes diante das idas e vindas na política comercial dos EUA e mostram cada vez mais indiferença em relação às suas consequências econômicas. Segundo sua visão, o alívio desse “espartilho” imposto pelos mercados eleva o risco de novas escaladas nos conflitos comerciais. A volatilidade financeira está em níveis mínimos de vários anos, o que sugere que os mercados já não percebem as tarifas generalizadas de 15%-20% recentemente propostas por Trump como um castigo, mas como a nova normalidade.
- Uma economia norte-americana resiliente. O PIB do segundo trimestre avançou 0,7% em relação ao trimestre anterior, e o normalmente confiável modelo GDPNow antecipa um crescimento positivo no terceiro trimestre. Embora tenhamos reduzido nossa previsão de crescimento para os EUA em 2025 para 1,8%, essa cifra ainda supera a da maioria das economias avançadas. Para 2026, elevamos a previsão para 2,1%. «Apesar de as tarifas atuais serem muito mais altas do que nas últimas décadas, ainda não atingiram níveis que imponham embargos efetivos às importações ou provoquem perdas econômicas severas. Além disso, os aumentos de preços derivados de maiores barreiras comerciais demoraram mais do que o esperado para se refletir de forma significativa na inflação», afirma.
- As maiores receitas aduaneiras ajudam a reduzir o déficit fiscal. Os dados do Tesouro dos EUA mostram que as receitas provenientes de direitos aduaneiros alcançaram um recorde de 66 bilhões de dólares no segundo trimestre, aos quais se somaram outros 28 bilhões em julho. Isso contrasta com médias mensais inferiores a 7 bilhões no ano passado. Esse fluxo de receitas contribui para conter o crescente déficit público norte-americano, que estimamos em elevados 5,4% do PIB neste ano.
- As respostas dos parceiros comerciais têm sido limitadas e bilaterais. Para Shen, apesar das múltiplas ameaças de represálias, apenas China e Canadá responderam de forma significativa às tarifas dos EUA. Muitos outros governos, incluindo o Reino Unido e a União Europeia, evitaram escalar o conflito, temerosos de prejudicar as normas do comércio multilateral, as cadeias de suprimentos globais e de agravar a desaceleração econômica e a inflação. Nesse sentido, explica que os parceiros comerciais optaram por comprometer mais de um trilhão de dólares em investimentos nos EUA para apaziguar Trump e conter a escalada, além de reduzir tarifas sobre importações norte-americanas e facilitar o acesso de seus produtos aos mercados dos EUA. «A dependência das garantias de segurança dos EUA — e a disposição de Washington em retê-las — obrigou muitos países, incluindo a própria UE, a ceder terreno. A preferência de Trump por negociações bilaterais, em vez de multilaterais, limitou as represálias e fomentou a competição dentro dos blocos regionais para obter condições comerciais preferenciais com os EUA. Enquanto as respostas continuarem sendo bilaterais e não multilaterais, a guerra comercial tende a favorecer Washington», acrescenta. Por fim, destaca que a diferença cada vez maior entre as tarifas impostas pelos EUA e as aplicadas por seus parceiros, tanto contra os Estados Unidos quanto entre eles mesmos, criou um sistema comercial global de dois níveis, que pode fortalecer as condições comerciais relativas dos EUA a longo prazo, ajudando a conter seus déficits comerciais anuais.
- A política interna, neste momento, favorece a escalada. As preocupações do Partido Republicano sobre possíveis grandes perdas nas eleições legislativas de meio de mandato de 2026 foram atenuadas, dado que a aprovação do presidente se mantém em torno de 90% entre os eleitores republicanos. A aprovação do “Big Beautiful Bill” reforçou o capital político do presidente.
Tarifas e produtividade
A análise de Shen também destaca que as tarifas aduaneiras médias dos EUA subiram fortemente para 18,6%, em comparação com 2,5% no final de 2024 e 1,5% em 2016, antes do primeiro governo Trump. Embora ainda estejam abaixo do pico do “Liberation Day”, próximo de 30%, encontram-se em seus níveis anuais mais altos desde a década de 1930. Isso inclui tarifas médias de 15% sobre parceiros comerciais avançados e de 21,4% sobre economias emergentes.
«As consequências para a economia global são claras: projetamos uma redução acumulada de 0,7 ponto percentual no crescimento mundial no médio prazo. O impacto sobre os EUA é apenas ligeiramente maior, de 0,9 ponto, já que o processo de re-shoring reduz gradualmente os custos acumulados. Para a economia da UE, estimamos um efeito mais moderado, de 0,4 ponto. Reduzimos nossa previsão de crescimento global para 2025 em 0,4 ponto, para 3,0%», conclui.
 



