A Comissão Europeia (CE) enviou uma carta às autoridades europeias de supervisão (AES ou ESA, na sigla em inglês) na qual comunica sua decisão de adiar a aprovação de 115 atos de nível 2 no âmbito financeiro. Segundo explicam os especialistas da finReg360, nessa comunicação a Comissão indica que considera que esses atos delegados “não são essenciais para o funcionamento eficaz da legislação de Nível 1 nem para o cumprimento dos objetivos de política da UE”.
E, portanto, explica que “não aprovará nenhum desses 115 atos antes de 1º de outubro de 2027, e proporá modificar ou revogar aqueles que incluam um prazo para agir, relacionado com as revisões legislativas em curso”. Os especialistas da firma destacam que a Comissão enquadra essa decisão no objetivo de simplificar a regulação e reduzir os encargos administrativos no setor financeiro.
Aspectos concretos
De acordo com a finReg360, um dos atos delegados despriorizados está relacionado às finanças sustentáveis. “No âmbito das finanças sustentáveis, os atos legislativos se relacionam com a divulgação de informações sobre sustentabilidade. A Comissão dá um passo atrás em relação ao mandato concedido às ESA para revisar o regulamento de divulgação de informações sobre sustentabilidade (SFDR). Essa revisão buscava ampliar e melhorar as informações sobre a consideração dos principais impactos adversos de sustentabilidade (PIAS) e dos produtos financeiros considerados ‘sustentáveis’ conforme os artigos 8 e 9 do SFDR. A Comissão confirma, portanto, que não modificará os atuais modelos padronizados”, explicam.
Além disso, a diretiva de divulgação de informações corporativas sobre sustentabilidade (CSRD, na sigla em inglês) prevê o relatório corporativo de sustentabilidade, sobre o qual a Comissão propõe adiar a publicação dos padrões setoriais específicos, dos padrões para pequenas e médias empresas listadas, e dos padrões aplicáveis às subsidiárias de entidades de países fora da UE. “Suprime a revisão periódica das ‘normas europeias de informação sobre sustentabilidade’ (ESRS, na sigla em inglês), para evitar ajustes recorrentes nos modelos para o relatório. Essas medidas são distintas e complementares à proposta do ‘pacote ômnibus’, que também simplifica o relatório da CSRD”, acrescenta a finReg360.
Além dessas considerações, os especialistas da finReg360 apontam que a Comissão também desprioriza os atos referentes aos formatos e modelos padronizados sobre a cooperação e troca de informações entre autoridades para supervisionar o padrão europeu de títulos verdes (EuGB, na sigla em inglês); as informações a serem divulgadas pelos provedores de dados de sustentabilidade em sites e aos usuários; as informações sobre classificações ESG (ambientais, sociais e de governança) que devem ser divulgadas por entidades financeiras não sujeitas ao SFDR e determinadas entidades emissoras de classificações ESG; e o envio de informações ao ponto de acesso único europeu (PAUE ou ESAP, na sigla em inglês). “Isso implica que a Comissão não definirá, por ora, um formato comum para cumprir as obrigações de divulgação, que se mantêm”, esclarecem.
Âmbito dos mercados
Segundo identificam os especialistas, no âmbito dos mercados, os atos legislativos estão relacionados a vários pontos. O primeiro deles é com os instrumentos financeiros negociados. “Os atos delegados despriorizados estão, em sua maioria, vinculados à última revisão do regime sobre os mercados de instrumentos financeiros (MiFID II–MiFIR), conhecida como MiFIR Review. Nesse sentido, a Comissão adia o seguinte: as mudanças no conteúdo e formato dos modelos para comunicar as operações com instrumentos financeiros (transaction reporting ou TR) e os dados de referência dos instrumentos financeiros (FIRDS, na sigla em inglês); a revisão periódica das características predefinidas dos derivativos de balcão (OTC, na sigla em inglês) sujeitos ao MiFIR; e também a atualização do conteúdo mínimo a incluir na política de melhor execução divulgada aos clientes (não deve ser confundida com o procedimento interno de melhor execução introduzido pelo MiFIR Review), além do registro de ordens sobre instrumentos financeiros”, explicam.
Em relação à operação das contrapartes com derivativos OTC, contemplada no regulamento sobre a negociação com derivativos de balcão (EMIR, na sigla em inglês), adia-se a revisão dos limites de compensação; as características das opções sobre ações individuais ou índices de ações isentas da aplicação de técnicas de redução de riscos; e a lista de países fora da UE não sujeitos à isenção por operações intragrupo, ainda que não constem das listas de prevenção à lavagem de dinheiro.
“Ficam adiados também outros atos sobre a atualização dos formatos e modelos padronizados de prospectos e notas de síntese em ofertas públicas ou admissões à cotação, contemplados no regulamento sobre os prospectos de oferta pública ou admissão à cotação de valores (conhecido como ‘regulamento de prospectos’). E outros atos dirigidos às entidades de contraparte central e aos depositários centrais de valores, bem como a seus participantes”, acrescenta a finReg360.
Outros âmbitos do setor financeiro
Segundo explicam os especialistas, os demais âmbitos afetados são, entre outros, a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Nesse sentido, os atos despriorizados estão relacionados ao novo pacote normativo contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo (conhecido como a “Sexta Diretiva” e o “Regulamento Único”) e, mais especificamente, com as funções de supervisão da Autoridade Europeia de Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (AMLA) e das autoridades nacionais competentes. “Destaca-se, entre eles, o referente à identificação de setores de maior risco, para os quais se propunha reduzir os limites de titularidade real”, apontam.
A esse âmbito somam-se mais quatro:
Supervisão prudencial de entidades de crédito. O regime de supervisão prudencial e de requisitos de capital das entidades de crédito (conhecido como CRD–CRR, na sigla em inglês) também previa atos delegados sobre a atribuição de exposições segundo o método baseado em classificações internas (IRB, na sigla em inglês) e o método alternativo de modelos internos para calcular seus requisitos de fundos próprios. Segundo a finReg360, “isso implica que as entidades de crédito continuarão aplicando a normativa de nível 2 atualmente em vigor”.
Fundos de investimento alternativos. O exercício de despriorização da Comissão também se vincula à diretiva que modifica a diretiva dos gestores de fundos de investimento alternativos (conhecida como AIFMD, na sigla em inglês), que permitiu, entre outros, que esses fundos possam conceder empréstimos. “Nesse sentido, foi adiado o ato delegado que definia os requisitos que esses fundos credores devem cumprir para manter uma estrutura de tipo aberto. Portanto, fica a critério da gestora demonstrar que o sistema de gestão do risco de liquidez do fundo é compatível com sua estratégia de investimento e política de resgate”, acrescentam.
Solvência no setor segurador. Sobre isso, os atos mais destacados relacionados à diretiva sobre os requisitos de solvência em produtos de seguros (conhecida como Solvência II), que afeta seguradoras e resseguradoras, que foram adiados, referem-se a planos específicos para lidar com riscos financeiros derivados de fatores de sustentabilidade; parâmetros e métodos padronizados dos módulos de riscos de subscrição; critérios para autorizar entidades com função especial; critérios de equivalência de países terceiros; circunstâncias e especificações para impor e calcular acréscimos de capital; identificação, medição, controle e gestão de riscos derivados de investimentos em instrumentos derivativos; e critérios sobre o índice de ações para calcular o capital de solvência. “As seguradoras e resseguradoras terão que aplicar a normativa de nível 2 atualmente em vigor e, caso não exista, definir seus próprios critérios para cumprir a normativa de nível 1”, comentam.
Índices de referência. Por fim, a Comissão adia a revisão periódica do método de cálculo para determinar os limites dos índices críticos e significativos, previstos no regulamento sobre os índices de referência (BMR, na sigla em inglês).
A finReg360 pontua que o adiamento decidido pela Comissão representa um alívio regulatório para as entidades financeiras, mas também gerará inconsistências no cumprimento, especialmente de obrigações de nível 1 que ainda não contam com a normativa de desenvolvimento. “Essa situação será especialmente relevante no âmbito do MiFID II–MiFIR, em que surgirão diferenças entre o nível 1 e a normativa de nível 2 vigente”, indicam.