A temática de investimento em defesa vem ganhando força ao longo de 2025, e isso tem se refletido nos fluxos, que irrigaram generosamente na bolsa as companhias ligadas a esse tema. No entanto, pela própria natureza da atividade dessas empresas, o tema também gerou debate, já que diversas instituições vêm se perguntando como continuar integrando critérios de sustentabilidade e conciliá-los com essa temática, à qual cada vez mais clientes pedem exposição.
A firma nórdica Finserve realizou recentemente em Madri o evento “Defense meets Finance”, no qual apresentou seu fundo Global Security Fund e contou com a participação de vários consultores da empresa para oferecer uma visão rigorosa e ampla sobre o tema.
O evento foi apresentado por Niclas Gutenbrink, Head of Sales para a Península Ibérica, e o primeiro a falar foi Gustaf Hagerud, CEO da Finserve Nordic e ex-vice-presidente executivo do Third Swedish National Pension Fund. Hagerud afirmou que o ambiente atual é resultado de 20 anos de evolução, marcados pela ascensão do populismo e das ambições imperialistas da Rússia, e que “o mercado já deveria ter tomado nota e se preocupado antes”.
O especialista descreveu a transição de um mundo dominado pelas democracias liberais — marcado pela integração e globalização, em que o Ocidente exercia liderança, as condições econômicas eram estáveis (crescimento e baixa inflação) e os bancos centrais estavam dispostos a dar apoio quando necessário — para outro mundo em que os populismos ganharam posição mais dominante, onde Rússia e China têm mais influência política, enquanto democracias como os EUA e o Reino Unido passaram por grandes mudanças desde a Crise Financeira Global. As tensões comerciais são extremas e a independência dos bancos centrais tornou-se objeto de debate.
“Vemos o surgimento de tendências imperialistas tanto no Oriente quanto no Ocidente”, afirmou o especialista, que destacou que esse novo ambiente representa “uma ameaça à estabilidade do crescimento” e, nele, os investidores devem prestar mais atenção aos riscos geopolíticos.
Desafios ao asset allocation
Como os investidores devem proceder diante dessa mudança de tendências? Hagerud afirmou que a trajetória do crescimento será inferior à do passado devido às tendências de reversão da globalização, às tarifas e a “um uso menos eficiente dos recursos globais”. Além disso, chamou atenção para o estado das finanças públicas da França e, particularmente, dos EUA, onde disse estar “muito preocupado” com “a falta de controle sobre o orçamento”.
O especialista esclareceu que essa tendência é mais ampla, afetando outras nações ocidentais, e indicou que “finanças públicas mais fracas levarão à inclinação da curva”, o que, por sua vez, criará oportunidades “de retorno relativo na renda fixa em comparação com a renda variável”.
Outro grande vetor que afetará o asset allocation, segundo o especialista, é o comportamento futuro do dólar, que ele classifica como uma “incógnita”, já que considera difícil determinar se a moeda continuará se depreciando ou não.
Por fim, o especialista falou sobre como conciliar o investimento em defesa com critérios ESG. Em sua opinião, “investir em defesa não é problemático, exceto no que diz respeito às armas controversas”, que já estão excluídas estruturalmente das carteiras com critérios ESG há anos.
Na visão dele, nos próximos anos “ocorrerá uma grande revisão sobre o que significa investir em defesa dentro das estratégias ESG”, citando como exemplo o ângulo de combate às mudanças climáticas que a Alemanha incluiu em seu programa de gastos. “Vai levar tempo, mas essa mudança virá e impulsionará uma segunda onda de investimento em defesa”, previu o especialista.
Por que investir em defesa?
Outro palestrante do evento foi Karl Engelbrektson, diretor do comitê consultivo da Finserve e ex-chefe do Exército Sueco. Com uma carreira militar de 42 anos nas forças armadas e experiência diplomática como representante da Suécia na OTAN e na União Europeia, Engelbrektson traçou uma análise precisa da situação geopolítica atual para concluir: “Estamos em uma situação em que precisaremos de gastos em defesa por muito tempo”.
O especialista afirmou que “a democracia como sistema de regras está em declínio no mundo” e que isso está fazendo com que “a dimensão militar do exercício da democracia volte a estar em primeiro plano”, enfatizando que será crucial que todos os países membros atinjam o gasto militar de 5% solicitado pela OTAN.
Dito isso, o especialista afirmou que os programas de investimento em defesa anunciados tanto pela Alemanha quanto pela União Europeia devem ser tratados como “um instrumento flexível, já que também envolvem muito investimento em infraestrutura, como aeroportos, redes ferroviárias e logística”. Em outro momento de sua fala, o representante da Finserve declarou: “Precisamos liberar capital para ser parte da solução. Não basta investir da forma tradicional”.
O ex-militar e diplomata explicou que o investimento em defesa é “de longo prazo”, de modo que os investidores estariam agora no início de uma tendência com potencial para se desenvolver ao longo dos anos. Por um lado, ele destacou a decisão propriamente dita de rearmar as diferentes nações que fazem parte da Aliança, afirmando: “O problema é que não apenas nossos exércitos se tornaram menores, mas também seu equipamento está obsoleto”.
Por outro lado, ressaltou que o setor de defesa “é uma indústria intensiva em mão de obra”, o que pode beneficiar o emprego nesses países. Além disso, uma maior disposição para investir em defesa e estimular a indústria deve contribuir para seu desenvolvimento em maior escala: “Não temos uma superindústria na Europa; ela foi limitada porque não se incentivou seu desenvolvimento. Será necessária a capacidade da União Europeia de produzir dentro de seu território, e será preciso fundir as diferentes companhias de defesa da Europa para sermos mais produtivos — embora isso exija maior vontade política”, concluiu.
O fundo Global Security Fund apresenta uma abordagem centrada em três setores de renda variável com altas taxas de crescimento. O primeiro é denominado “Defesa total” e busca aproveitar o aumento dos orçamentos de gastos em defesa de diversos governos — incluindo o alemão — diante da alta das tensões geopolíticas. O segundo é o de cibersegurança, que também inclui exposição às temáticas de IA e digitalização. E o terceiro é o setor espacial, onde já se observa uma aceleração da demanda, com a previsão de que os investimentos atuais se dupliquem até 2035 (dados da McKinsey & Company).