Estamos prestes a viver a maior transferência intergeracional de patrimônio da história. Estimativas de mercado apontam que cerca de US$ 84 trilhões devem ser transferidos globalmente nas próximas duas décadas. Desse montante, aproximadamente US$ 72 trilhões virão da transferência direta entre gerações – exemplo, dos ascendentes para os descendentes – enquanto o restante se estima serão destinados a causas filantrópicas. Por volta de 2030, aproximadamente US$18 trilhões terão sido transferidos.
Na América Latina, e especialmente no Brasil, o fenômeno já começa a ganhar tração. Projeções indicam que mais de US$ 9 trilhões devem mudar de mãos nas próximas décadas apenas na região, colocando o tema no centro das atenções de famílias de alta renda e seus consultores patrimoniais.
Um novo perfil de herdeiro está surgindo
A nova geração de herdeiros, principalmente os chamados Millennials e os Gen Z”, é mais digital, mais engajada com causas sociais e ambientais, com a governança (“investimentos ESG”), e menos apegada às fórmulas tradicionais de investimento. Tudo isso transforma a forma como o patrimônio será gerido daqui para frente. Essa nova geração prioriza o envolvimento digital e são menos leais aos consultores financeiros tradicionais das famílias. Estima-se que cerca de 70%-90% dos Millennials e os Gen Z provavelmente deixarão os bancos utilizados pelos pais.
Calcula-se que mais de 70% desses jovens acreditam que retornos superiores não virão apenas de ações e títulos de renda fixa, e muitos já demonstram forte interesse por alternativas como ativos privados, criptoativos, fundos sustentáveis e investimentos de impacto.
O patrimônio vem com propósito
Com a chegada da nova geração ao comando dos recursos, a busca por propósito se sobrepõe à busca por performance pura. A relação com o dinheiro muda: o que era símbolo de conquista, agora também é instrumento de transformação e uma ferramenta para desenvolver empreendimentos de cada membro da família
Imóveis continuam como uma âncora importante. Porém, mais do que apenas patrimônio físico, o interesse está em projetos imobiliários com impacto positivo, como empreendimentos sustentáveis ou voltados para o turismo regenerativo.
Oportunidades e desafios para o Brasil
No Brasil, a maioria dos grandes patrimônios ainda não possui uma estrutura formal de sucessão. O planejamento costuma ser reativo, feito apenas diante de situações críticas e sem uma visão que considera as diversas necessidades e objetivos de longo prazo da família, incluindo o legado.
Mas com o avanço da Great Wealth Transfer, cresce a demanda por soluções estruturadas, integrais, que envolvem governança familiar, proteção patrimonial e planejamento fiscal sucessório. As novas gerações também são mais móveis e qualquer planejamento precisa levar em conta diferentes conjuntos de regras que podem ser aplicadas no exterior.
Além disso, a comunicação entre gerações é peça-chave. Cerca de 70% das famílias tendem a perder sua fortuna na segunda geração. Um dos principais motivos para isso é o aumento de conflitos entre os membros da família e a falta de regras e governança claras, o que cria uma falha na comunicação. No departamento de Wealth Planning do EFG, observamos que muitas famílias enfrentam conflitos e perdas patrimoniais relevantes por falta de diálogo estruturado sobre o futuro da herança. Portanto, o papel do assessor evolui: mais do que um gestor de investimentos, ele se torna facilitador de conversas delicadas, mas essenciais.
Tributação: o elo que não pode ser ignorado
A complexidade tributária é um dos principais pontos de atenção na transição de grandes patrimônios, tanto no Brasil quanto no exterior. No cenário doméstico, o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) pode chegar a 8%, e já existem propostas nos estados e no Congresso para aumentar essa alíquota e ampliar a base de cálculo – incluindo participações societárias, ativos financeiros no exterior e cotas de fundos exclusivos.
Já em jurisdições internacionais comumente utilizadas por famílias brasileiras, como Estados Unidos, Suíça e Bahamas, heranças e doações podem estar sujeitas a regras complexas e alíquotas de mais de 40% em alguns casos. A ausência de um planejamento fiscal estruturado pode levar a custos elevados e longas batalhas judiciais.
Iniciar o processo com antecedência, com apoio de especialistas tributários locais e internacionais, é essencial para garantir a eficiência sucessória. Mais do que uma decisão técnica, trata-se de um ato estratégico de preservação patrimonial.
Longevidade: um elemento menos falado
A longevidade também tem suas implicações em tudo o que aqui discutimos. De acordo com a Harvard Health, por exemplo, a expectativa de vida global mais que dobrou no último século. Aspetos como planejamento para cuidar dos idosos, seguros, estabelecimento de salvaguardas cognitivas e planejamento real para a aposentadoria, são agora essenciais em qualquer planejamento. Do ponto de vista dos gestores patrimoniais, é fundamental conjugar os interesses das novas gerações com estratégias que garantam que os ativos durem por aposentadorias mais longas.
Como se preparar para essa transição
Para atender esse novo perfil de investidor e lidar com a complexidade da sucessão patrimonial, algumas ações se tornam indispensáveis:
1 – Diversificação real dos portfólios, combinando investimentos no exterior, exposição a diversas classes de ativos incluindo renda fixa, ações, ativos alternativos, imóveis e levando em consideração elementos relativos ESG.
2 – Uso de estruturas patrimoniais eficientes, flexíveis e portáveis, que dependerão da situação e necessidade de cada família.
3 – Adoção de tecnologia e canais digitais para atender uma geração que valoriza agilidade, transparência e personalização.
4 – Educação financeira intergeracional, envolvendo herdeiros em decisões e fortalecendo a cultura de preservação e responsabilidade com o patrimônio familiar.
Um novo mercado se abre
A Grande Transferência de Riqueza representa uma oportunidade inédita para o setor de gestão patrimonial. Não apenas pela movimentação de capital, mas pelo surgimento de uma nova mentalidade.
Famílias que souberem planejar essa transição com visão estratégica garantirão não só a continuidade do patrimônio, mas também a perpetuação de valores e legados.
Para assessores de investimentos e profissionais do setor financeiro, este é o momento de se reposicionar, adquirir novos conhecimentos e desenvolver uma escuta ativa que compreenda o que, de fato, as novas gerações esperam.
Planejar o futuro nunca foi tão urgente e promissor. Um ditado já comum diz que “a ausência de planejamento se torna em um planejamento para o fracasso”.
A sucessão patrimonial deixou de ser um tema do amanhã. Ela já começou, e seus impactos moldarão o mercado financeiro latino-americano pelas próximas décadas.