No final de 2024, a Mirova, gestora afiliada à Natixis IM, já havia apresentado um cenário base no qual, após três anos sendo muito mais otimistas com a economia dos Estados Unidos do que com a europeia, insistia que a Europa começaria a ser uma fonte de surpresas positivas para os mercados. Atualmente, não apenas mantém esse cenário central, como também considera que ainda há potencial para mais dessas surpresas positivas na renda fixa europeia e, em particular, no crédito.
Segundo esclarece Bertrand Rocher, Co-Head de Renda Fixa, Head de Pesquisa de Crédito e gestor de fundos da Mirova, quando afirmam ser muito positivos quanto ao potencial da Europa para gerar surpresas positivas, estão se referindo a países como Espanha, Itália e talvez Alemanha — após dois anos de recessão —, mas não à França, onde consideram que a dinâmica é mais atrasada. “Basicamente, é uma paradoxa, mas a demografia francesa tem sido muito melhor do que a do restante da Europa, incluindo Itália e Espanha. Itália, Espanha ou Alemanha tiveram taxas de natalidade muito baixas nas últimas décadas, enquanto a França começa agora a sofrer um fenômeno semelhante, embora com um atraso considerável. A isso se soma o fato de que o governo francês está muito endividado e enfrenta dificuldades, do ponto de vista político, para encontrar margens de manobra para lidar com o problema. Esse será um tema persistente nos próximos anos”, explica Rocher.
Além do crescimento desses países, o gestor aponta que também há alguns fatores técnicos que jogam a favor do crédito, como, por exemplo, a expansão do crédito privado. “Pode ser que tenhamos visto uma enxurrada de emissões nos dois últimos meses, mas, se olharmos para todo o ano de 2024 e o início de 2025, as emissões corporativas nos mercados primários ficaram muito abaixo das expectativas do mercado, criando um descompasso permanente entre demanda e oferta”, acrescenta.
Segundo seu argumento, ao observarmos os spreads, apenas em grandes crises — como as de 2001, 2008, 2011 ou a da COVID — os diferenciais foram duravelmente mais amplos do que os atuais. “No conjunto, temos rentabilidade, alguns fatores técnicos favoráveis e uma qualidade média que se compara bem à dívida soberana. Por isso continuamos mantendo uma visão positiva sobre os mercados de crédito. Seguimos com uma sobreponderação, embora possamos reduzir essa posição para garantir que não estamos comprando crédito em momentos de mercado sobrecomprado ou com queda de liquidez”, afirma.
O setor automobilístico
Em sua análise do mercado de crédito, Rocher considera que o que está acontecendo no setor automobilístico merece uma menção especial. “No espaço de crédito, decidimos subponderar esse setor. Fazemos isso há mais de um ano. Começamos a reduzir a exposição aos fabricantes de automóveis alemães e aos fabricantes de componentes no primeiro trimestre de 2024, porque a crise que enfrentam não é uma crise comum. Primeiro, as vendas estão caindo, mas isso é algo tradicional na indústria automobilística, que é cíclica, portanto as empresas do setor sabem como lidar com isso. Mas, ao mesmo tempo, estão sofrendo na China. Basicamente, o que os chineses estão fazendo agora com BMW, Volkswagen ou Mercedes-Benz é o que já fizeram há alguns anos com a Renault, FCA, PSA (esta última agora fundida na Stellantis), ou mesmo com a Ford nos Estados Unidos. Em certa medida, estão preparando o terreno para que os players locais, como BYD ou Geely, ganhem participação de mercado e assumam a liderança no mercado chinês”, explica.
Segundo sua análise, aos poucos, está se tornando mais difícil para essas empresas manterem sua participação de mercado nos níveis atuais. A isso se soma um terceiro desafio, que é, obviamente, a transição para a mobilidade elétrica. “Na Mirova, mantemos a opinião de que a mobilidade elétrica continuará ganhando participação de mercado, mas, evidentemente, não substituirá imediatamente toda a frota de veículos com motores a combustão interna; isso levará tempo. Por fim, além dessa combinação de três desafios, as taxas de juros mais altas significam que agora os créditos para comprar ou alugar um carro estão mais caros, após anos em que era muito fácil financiar a compra ou leasing de um veículo”, afirma Rocher.
O debate sobre os spreads estreitos
Uma das reflexões mais comentadas pelos gestores de crédito é que os spreads estão cada vez mais estreitos. Para Rocher, isso não é motivo de preocupação. Segundo ele, as pequenas empresas que compõem os índices de high yield não emitiram muito nos últimos anos e não precisavam, porque emitiram logo após a COVID, e não têm um “muro de dívida” nem uma necessidade urgente de emitir grandes volumes de capital, salvo alguns casos pontuais, claro.
“Consideramos que isso é bastante positivo para essa parte do mercado. Além disso, o crescimento do crédito privado está comprimindo os diferenciais no crédito público. Portanto, o high yield é o primeiro beneficiado disso. Dito isso, acreditamos que o high yield americano pode parecer um pouco caro agora, em comparação com o que estamos vendo na Europa, por isso somos positivos quanto ao high yield europeu. A questão, no entanto, é se isso pode durar muito tempo, e acreditamos que seria necessária uma grande crise para que os diferenciais se ampliassem por um período prolongado. E, por ora, não vemos sinais de repetição de eventos anômalos como uma pandemia ou uma guerra na Europa. É claro que não podemos prever o futuro, mas podemos tentar avaliar a probabilidade de uma nova série de eventos extremos, e acreditamos que ela é baixa”, argumenta Rocher.
Ao transferir essa visão para a alocação de ativos, o gestor da Mirova afirma que, para os fundos agregados — aqueles que combinam crédito com dívida soberana, supranacionais e agências —, continuam com sobreponderação em crédito, embora em menor grau do que há apenas alguns meses; como é o seu caso.
“Continuamos sobreponderados, se o crédito continuar estreitando os diferenciais, porque nos beneficiaremos; e se eles se ampliarem, as carteiras provavelmente não sofrerão tanto quanto se beneficiaram durante a fase de estreitamento. Também estamos reduzindo nossa exposição a ativos de alta beta nas carteiras. Em relação às estratégias de crédito com grau de investimento — em euros e globais — continuamos com posições longas em high yield”, reconhece.