Após uma semana de ataques israelenses contra instalações nucleares iranianas e outros alvos, os Estados Unidos entraram no conflito no sábado, atacando as instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan no Irã com bombas. A situação está evoluindo rapidamente e as consequências finais ainda são incertas, por isso as gestoras internacionais não perdem o foco nos riscos geopolíticos para o segundo semestre do ano. “Mesmo sem uma escalada do conflito, a incerteza persistente e os custos energéticos estruturalmente mais altos já têm o potencial de desacelerar o crescimento econômico e elevar a inflação”, reconhece Samy Chaar, Chief Economist e CIO Switzerland do Bank Lombard Odier.
A semana começa com o preço do Brent cotando próximo a 78,5 dólares por barril e o West Texas Intermediate (WTI) em torno de 75,3 e 75,4 dólares por barril. Este é o maior nível dos últimos cinco meses e se deve à tensão na região e à clara ameaça do Irã de fechar o estreito de Ormuz, por onde passa 20% do fornecimento de petróleo mundial. Na opinião de Javier Molina, analista de mercados da eToro, em menos de 48 horas, as ameaças se transformaram em ação e o que parecia ser mais uma fase de tensão localizada virou um ponto de inflexão, com uma mensagem que deixa claro que a estabilidade energética e geopolítica global volta a estar em jogo. “Ainda assim, os mercados mantêm um comportamento que começa a parecer condicionado. Um dia caem pelo medo, no outro sobem pela esperança. Como se tudo fosse se resolver sozinho. Mas desta vez, alguns sinais sugerem uma leitura mais prudente. O petróleo subiu mais de 30% em relação à sua média de 12 meses, e a história é clara: quando isso acontece, normalmente vem seguido de recessão nos Estados Unidos, salvo poucas exceções. Em 2022, as economias ‘pós-pandemia’ amorteceram o impacto. Hoje esse colchão não existe mais”, aponta.
Na Neuberger Berman reconhecem que ainda é preciso avaliar o alcance total do impacto no programa nuclear iraniano, e é possível que as autoridades iranianas tentem minimizar os danos percebidos ou ajustar sua abordagem estratégica. “A resposta inicial do mercado de capitais aos primeiros ataques israelenses foi relativamente moderada na semana passada. Entre 13 e 20 de junho, o índice MSCI ACWI caiu menos de 2%, com as taxas de juros e os principais movimentos cambiais permanecendo em grande medida estáveis. No entanto, com a participação direta dos Estados Unidos, aumentaram as preocupações sobre uma possível escalada e os efeitos potenciais nos mercados de energia. A interpretação do mercado pode variar entre temores de uma retração do crescimento — estabelecendo paralelos com a Guerra do Golfo —, preocupações com uma maior inflação devido ao aumento dos preços do petróleo ou até mesmo um otimismo cauteloso caso os esforços diplomáticos levem o Irã a moderar suas ambições nucleares, embora esse desfecho ainda pareça distante”, reconhecem os especialistas da gestora.
De tensões a conflito aberto?
Na opinião de George Brown, economista sênior da Schroders, embora os preços do petróleo sejam sensíveis a esse tipo de conflito, como em acontecimentos semelhantes anteriores, a alta inicial dos preços se moderou nas horas seguintes à escalada. “Se o Brent se estabilizasse em 75 dólares por barril, isso implicaria que a inflação energética do G7 ficaria ligeiramente acima de 5% durante o próximo ano. Isso geraria uma pressão inflacionária mais ampla? Provavelmente não. Nossas pesquisas sugerem que cada alta de 10% nos preços do petróleo adiciona apenas 0,1% à inflação subjacente”, aponta Brown.
Diante da intensificação do conflito, Gilles Moëc, economista-chefe da AXA IM, considera que, a curto prazo, a reação do mercado dependerá da magnitude da resposta de Teerã. “Os primeiros sinais do mercado no domingo à noite apontavam para um leve fortalecimento do dólar. Queremos observar além dessa reação instintiva e ver se se mantém o padrão da semana passada, quando os ativos norte-americanos não se beneficiaram do comportamento habitual de ‘porto seguro’. Isso pode dever-se, em parte, às preocupações do mercado sobre a postura política geral dos Estados Unidos”, destaca.
Nesse contexto, Moëc observa que, de um ponto de vista puramente macrofinanceiro, será importante monitorar nos próximos dias se há algum movimento de “porto seguro” a favor do dólar e dos ativos norte-americanos livres de risco. O economista também comenta sobre o impacto dos preços do petróleo nesta crise, já que “além do efeito de um prêmio de risco negativo induzido por políticas, o aumento do preço do petróleo pode afetar marginalmente a inflação subjacente, mas aumenta a probabilidade de uma desaceleração econômica nos EUA ainda este ano, o que poderia ser interpretado como um aumento das chances de que o Fed retome os cortes, pressionando o dólar”.
Por fim, Razan Nasser e Peter Botoucharov, analistas de crédito da T. Rowe Price, alertam que os mercados de renda fixa regionais estão excessivamente complacentes e que os preços atuais não refletem adequadamente os riscos. “Com os riscos inclinados para baixo, os mercados de bônus regionais do Oriente Médio estão sendo complacentes demais, em nossa opinião. É improvável que o conflito se resolva no curto prazo. Aos preços atuais, acreditamos que os investidores não estão sendo devidamente compensados. Por exemplo, a dívida pública local e o crédito israelense enfrentam um risco geopolítico maior, possível deterioração das finanças públicas e maiores necessidades de financiamento. Em geral, o ambiente continua muito incerto. Continuamos monitorando a evolução da situação para avaliar as implicações para os mercados financeiros”, esclarecem Nasser e Botoucharov.
Inflação, bancos centrais e crescimento
A inflação, os bancos centrais e suas políticas monetárias são outro grande foco que as gestoras internacionais estão analisando em suas perspectivas. Na visão da PIMCO, os bancos centrais conseguiram controlar a inflação e não demorarão a começar a cortar suas taxas de juros. “Os bancos centrais de mercados desenvolvidos já começaram a cortar taxas, mas os temas do pouso suave da economia mundial, da excepcionalidade dos EUA e da desinflação estão sendo questionados pelas crescentes tensões comerciais”, explicam.
Para a PIMCO, embora as tarifas aumentem no curto prazo, a inflação retornará ao nível alvo do Fed em seu horizonte secular, e prevê que o Fed cortará as taxas até um nível neutro (em torno de 3%) e poderá reduzir muito mais em caso de recessão, até zero se necessário. Fora dos EUA, considera que as principais economias desenvolvidas enfrentam claros desafios em termos de crescimento, enquanto os países emergentes são sustentados por uma gestão prudente da dívida, mas também influenciados pelas mudanças no comércio mundial e pelas políticas dos mercados desenvolvidos.
“Na Europa, também não é esperado que a inflação retorne ao 1% em que estava antes da pandemia, devido à desglobalização e ao aumento das expectativas inflacionárias, embora deva ficar abaixo da meta de 2% fixada pelo Banco Central Europeu (BCE). As taxas de equilíbrio provavelmente permanecerão baixas e abaixo do nível nominal atual de cerca de 2%. Enquanto na China, as pressões deflacionárias e as limitações estruturais sugerem que o crescimento seguirá uma trajetória mais lenta”, acrescentam.
Uma visão que também é compartilhada por outras gestoras. “Diferente do que ocorreu durante a desaceleração anterior, nem a resposta proativa do Fed nem um relaxamento das condições de crédito na ponta longa da curva poderão amortecer esta fase ruim. De fato, a persistência da inflação acima da meta obrigará o Fed a se mostrar anormalmente reativo. Por outro lado, as ameaças de Trump sobre sua independência fazem prever que o presidente do Fed, Jerome Powell, tenderá a adiar ainda mais o próximo corte de taxas”, acrescenta Raphaël Gallardo, economista-chefe da Carmignac.
Na opinião de Gallardo, na ausência de alternativas críveis, os bancos centrais estão voltando ao ouro. “Estimamos que essa tendência será ampliada pela migração dos fundos soberanos para outras matérias-primas estratégicas, que não são diretamente ‘monetizáveis’ como o ouro, mas podem ser armazenadas e oferecem um seguro geopolítico em um mundo mais instável. Estamos falando de petróleo, cobre, lítio, etc.”, afirma.
Sobre o BCE, o economista-chefe da Carmignac considera que, apesar do risco de a inflação ficar abaixo da meta como consequência de um choque quádruplo (força do euro, deflação da energia, tarifas e desvio do comércio), o Banco Central Europeu mostrou na reunião de junho sua aversão a testar a faixa de taxas neutras. “Continuamos considerando que haverá outro corte de taxas em setembro, mas a barra para um afrouxamento monetário ficou mais alta”, conclui.
Administração Trump
As gestoras esperam que, ao longo dos próximos meses, o cenário em relação à política comercial dos EUA e às principais políticas da Administração Trump fique mais claro. “Se 2024 foi o ano das eleições, 2025 é o ano da mudança política. As tarifas sacudiram os mercados e deixaram claro que o risco geopolítico deve ser considerado nas decisões de investimento. As tensões interestatais aumentaram, as normas internacionais de conduta foram enfraquecidas e o pavio para a escalada ficou mais curto”, aponta Ali Dibadj, CEO da Janus Henderson.
Na visão de Gallardo, da Carmignac, existe o risco de Trump propor soluções que, na verdade, agravem os problemas. “Em primeiro lugar, as tarifas e a contenção da imigração são choques estanflacionários que enfraquecem a trajetória fiscal e tornam ainda mais exigente a avaliação da renda variável norte-americana. Em segundo lugar, os novos cortes de impostos são supostamente temporários ou financiados por cortes de gastos que só começariam após o mandato de Trump”, resume.
Segundo sua visão, isso convenceu os detentores estrangeiros de títulos de que toda a prudência fiscal foi abandonada. “Em terceiro lugar, as tentativas de coagir os parceiros comerciais a reavaliar suas moedas frente ao dólar em negociações comerciais tensas são um convite para que investidores estrangeiros se desfaçam de ativos norte-americanos ou cubram o risco cambial”, acrescenta. E, por fim, adverte que “a infame Seção 899 adicionada ao projeto de lei orçamentária soa como uma declaração de guerra de capitais ao restante do mundo, o que significa que os demais países não poderão se defender do poder de mercado abusivo exercido pelos gigantes corporativos americanos.”
Na visão da PIMCO, embora a batalha legal sobre as tarifas norte-americanas possa acabar suavizando a guerra comercial, as tensões comerciais persistirão. Segundo sua análise, a incerteza sobre o desfecho da política comercial e das alianças globais de segurança elevou os riscos de baixa para o crescimento mundial.
“Na ausência de retaliações sustentadas contra os EUA, a guerra comercial reduz amplamente a demanda por exportações para grande parte do mundo, com o consequente impacto desinflacionário. A redistribuição do superávit comercial da China para o restante do mundo representa uma fonte clara de risco desinflacionário. Por outro lado, os riscos inflacionários aumentaram nos EUA, pelo menos no curto prazo, assim como a probabilidade de divergências entre a política monetária norte-americana e a dos outros países”, explicam.
Além disso, destacam que, apesar da desvalorização recente, é quase impossível que o dólar perca seu status de moeda de reserva mundial dominante no horizonte secular, “em parte pela falta de alternativas realistas nos mercados de câmbio, dívida em moeda estrangeira e empréstimos bancários”.